O artigo a seguir, sob o título "Bondade sem protocolos", é de autoria de Danilo Fontenelle Sampaio, juiz federal da 11ª Vara do Ceará.

As audiências de custódia geralmente ocorrem com a tensão natural de ter que se decidir pela liberdade ou manutenção da prisão de alguém preso há menos de 24 horas, muitas vezes ainda com a mesma roupa com que foi detido e com as emoções à flor da pele.

Decidir o destino imediato de um semelhante, verificando apenas o que consta dos autos, sem maiores proximidades com a história de vida do custodiado talvez seja uma das tarefas mais desgastantes que todo juiz passa quase que diariamente.

De vez em quando, porém, o cenário é modificado, as energias se tornam sutis, a densidade se esvanece, os semblantes desanuviam e uma doce brisa de esperança ressurge, proporcionando a certeza de que é possível fazermos parte de um mundo mais justo e humano.

Foi o que aconteceu hoje, 22 de junho de 2022.

Um trabalhador desempregado chegou às 5h h da manhã em uma agência da Caixa Econômica Federal para sacar um benefício. Mora longe, em uma das cidades da região metropolitana. Saiu de casa apenas com um café preto, usando os últimos recursos para a passagem apenas de ida.

Não tinha dinheiro da volta.

Por volta das 12h30, ainda na fila e próximo à entrada da agência, foi informado que uma pensionista passara mal quando era atendida e foi diagnosticada com Covid, pelo que o atendimento teria que ser suspenso para higienização completa do ambiente.

Seja pela fome, seja pelo desespero, seja pelos filhos sem comer, seja pelo cansaço, seja por não ter meios de voltar para casa, o amargor da revolta foi traduzido em um chute na parte inferior da porta giratória.

"Não tive intenção de quebrar nada, doutor. Foi só raiva mesmo. Não queria causar nenhum prejuízo".

Na lavratura do flagrante, o Delegado Federal até que tentou fixar fiança no mínimo, mas o custodiado informou não ter condições, nem qualquer parente seu. Disse que preferia não informar o pai da prisão.

- "Ele é hipertenso. Pode passar mal"

O Defensor Público da União pediu a liberdade provisória sem fiança. Ministério Público Federal concordou. Liberdade concedida.

Mas como o beneficiado voltaria para casa, se contava com o recebimento do benefício, o que não ocorreu?

- Excelência, teria como chamar algum policial? indagou o Defensor Erasmo. Teria como eu passar um pix e algum policial entregar o dinheiro ao rapaz? Acho que dá para a passagem e um lanche.

O agente federal Ricardo, plantonista, imediatamente disponibilizou sua conta. Pix confirmado. Dinheiro entregue nas mãos do custodiado à frente das câmeras.

É por essas e outras que a fé na humanidade é renovada. É com comportamentos como esses que a esperança ressurge. É com profissionais como o DPU Erasmo e o APF Ricardo que o mundo se torna melhor.