Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus

'Governante eleito não pode tudo', afirma Luiz Antonio Marrey

Retirar câmeras dos uniformes de PMs seria licença para matar, diz procurador

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Luiz Antonio Guimarães Marrey

Sob o título "Licença para matar", o artigo a seguir é de autoria de Luiz Antonio Guimarães Marrey, procurador de Justiça do Ministério Público do Estado de São Paulo.(*)

Procurador de Justiça diz que retirar câmeras dos PMs seria licença para matar
Tarcísio de Freitas, governador eleito de São Paulo, e Luiz Antonio Marrey, procurador de Justiça - Marcos Corrêa/PR e MPSP

Terminado o processo eleitoral, em primeiro de janeiro começam os novos mandatos e os governantes eleitos passam a ter responsabilidade pelos governos assumidos e pelas promessas feitas em campanha.

Causa preocupação a promessa feita pelo governador eleito de São Paulo de determinar que sejam retiradas as câmeras instaladas nos uniformes dos policiais-militares.

Trata-se de programa de administração e controle das atividades-fim da polícia e que foi concebido pela própria Polícia Militar do Estado de São Paulo. O programa foi altamente bem-sucedido e trouxe grande diminuição da letalidade policial e da letalidade de policiais, adotando procedimentos que já existem em importantes organizações policiais de outros países.

No entanto, o tema da criminalidade se presta a muita exploração na área política e em especial durante uma disputa eleitoral, sendo que há visão autoritária que tem na ideia da supressão das câmeras uma causa a ser defendida, qual seja "que se deve deixar a polícia trabalhar", sem controle, ideia ofensiva aos bons policiais.

Tal retirada de câmeras, se concretizada, será entendida por setores da polícia como verdadeira autorização para matar, fora das hipóteses legais.

Impossível é não questionar o motivo da súbita queda da letalidade policial com o sistema de maior controle. Afinal, quando o policial age amparado pela lei, não terá nada a temer. Muito pelo contrário, as gravações feitas ajudarão a demonstrar a legalidade de sua conduta e afastar a costumeira alegação de flagrante forjado.

Também é sabido que numa sociedade polarizada como é a nossa atualmente, há grupos que pensam que a criminalidade deve ser enfrentada pela simples eliminação do criminoso ou do suspeito, querendo transformar policiais em "justiceiros". Nessas circunstâncias, é previsível que quase todas as mortes pela polícia ocorram tendo como vítimas jovens periféricos, na maioria pobres e negros, suspeitos, criminosos ou não.

Quando houver delinquentes violentos e armados, pode a polícia ter que usar a força, permitida nos limites legais. Lamentavelmente, às vezes também morrem policiais. Não são nessas situações de legítimo uso da força, que o uso de câmeras incomoda os arbitrários, mas sim quando a morte se dá em situação de execução pura e simples ou quando as câmeras possam captar abusos ou até mesmo corrupção.

A supressão das câmeras seria uma concessão para parcela autoritária da opinião pública, que têm uma visão de que certos suspeitos devam ser eliminados, à margem do sistema jurídico, praticando homicídios que supostamente livrariam a sociedade de bandidos.

Em regime constitucional que se organiza em Estado democrático de Direito, é inaceitável que a repressão a criminalidade se faça mediante a liberação da prática de assassinatos ou qualquer forma do uso arbitrário da força.

Um governante eleito não pode tudo. Deve se submeter à Constituição e às leis, não sendo possível a adoção de decisões administrativas sem a devida fundamentação, que por sua vez podem ser objeto de escrutínio e controle pelo Poder Judiciário e do Tribunal de Contas.

Não se pode fundamentar em razão de interesse público a supressão de programa de câmeras, bem-sucedido e com resultados elogiáveis. Não se pode ainda justificar o desperdício dos recursos públicos gastos na implantação do programa, com o seu eventual cancelamento, não sendo lícito que isto seja feito por mera opção ideológica.

Em suma, qualquer iniciativa de supressão das câmeras dos uniformes dos policiais, será objeto de impugnação por parte da sociedade, no Ministério Público e no Poder Judiciário.

Espera-se que o governador eleito, que em segundo momento informou que a decisão sobre as câmeras será técnica, saiba que neste Estado de São Paulo há instituições públicas independentes, que certamente impugnarão eventual retrocesso no sistema de controle e que dê seguimento às políticas públicas que vêm dando certo.

A população paulista tem direito à segurança pública exercida por policiais com boa formação e conduta profissional, bem-remunerados e que cumpram a lei.

Ao longo da minha atuação profissional do Ministério Público vejo que a ampla maioria dos policiais trabalha muito, de maneira correta, corre riscos, tem remuneração absolutamente insuficiente e nem sempre tem reconhecida a importância de seu trabalho.

Há desafios importantes nessa área, seja de enfrentamento de organizações criminosas e o tráfico de drogas que as sustenta, dos episódios de ocupação de cidades para roubos, da violência urbana, dos roubos, sequestros e extorsões com uso de pix, da prevenção e repressão aos feminicídios e violência de gênero, dos furtos, roubos e receptação de celulares.

Os índices de homicídio melhoraram, mas segue sendo preocupante ainda o percentual de casos com autoria desconhecida. Somente o policiamento preventivo não resolverá todos os problemas e urge investir também na recuperação dos quadros e valorização da Polícia Civil para que a autoria dos crimes praticados seja descoberta e seus autores punidos.

O monopólio do uso da força no Estado democrático de Direito de Direito não é irrestrito. Pressupõe o seu exercício dentro de legalidade como meio de assegurar o pleno exercício das garantias constitucionais.

Boas e justas políticas públicas sociais e urbanas têm reflexo direto na criminalidade e não será com medidas populistas, violentas e ilegais que a segurança pública vai construir o necessário ambiente de paz que os brasileiros aspiram e têm direito.

(*) O autor foi Procurador-Geral de Justiça por três biênios e Secretário de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania

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