Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus

Absolvidos indígenas que mantiveram agentes em cárcere privado

Juíza viu no episódio uma ação de defesa dos direitos da própria comunidade

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São Paulo

A juíza federal Júlia Cavalcante Silva Barbosa, de Campo Grande (MS), absolveu sete líderes indígenas denunciados sob a acusação de manter uma equipe de agentes sanitários em cárcere privado.

Os caciques pretendiam pressionar os gestores estaduais vinculados à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão do Ministério da Saúde, porque quatro aldeias ficaram vários dias sem acesso à água potável.

"O processo foge ao ordinário, em razão das características étnico-culturais dos réus e da motivação das condutas denunciadas", registrou a juíza na sentença. Perícia antropológica certificou que não seria razoável exigir dos réus um comportamento diferente.

Os fatos ocorreram em 2016. Os réus são membros da Tribo Indígena Nioaque, da etnia Terena.

Magistrada respeitou Constituição e absolveu caciques da Tribo Indígena Nioaque
Região em Mato Grosso do Sul onde está localizada uma das aldeias da Tribo Indígena Nioaque - Aryanne Amaral/IEB e Campo Grande News. No destaque, Google Maps

Foram denunciados os caciques Ramão Marques da Silva (aldeia Taboquinha), Adão Marciano Marques (aldeia Cabeceira), Frederico Cabrocha Pereira (aldeia Brejão) e Arino Brites da Silva (aldeia Água Branca), além de Claudionor do Carmo Miranda, Rogério Veron Alcântara e Carlos Alberto Marques.

Foram submetidos a cárcere privado a engenheira Simara Viana Minetto, a bióloga Juliana Polônio Faganello, o engenheiro Edson de Souza Lima Júnior e o motorista Valdemir Gamarra Gauna.

Ficaram como reféns desde o início da tarde de 2 de março de 2016 até 11 horas do dia seguinte.

Eles atuavam como terceirizados. Foram ao local para fazer a manutenção do abastecimento de água.

Segundo a imprensa noticiou na época, os indígenas só aceitariam libertar os reféns se a Sesai reconsiderasse a demissão do único médico que atendia a comunidade.

O médico teria sido exonerado, após reclamar da falta de recursos e materiais de trabalho.

Diante da dificuldade para encontrar profissional que aceitasse realizar a perícia, a magistrada nomeou um perito antropólogo. A Funai informou não possuir antropólogo na Coordenação Regional de Campo Grande.

O Ministério Público Federal pugnou pela absolvição dos denunciados. Sustentou que não houve demonstração da culpabilidade dos acusados, pois o laudo antropológico concluiu que os réus "não tinham a compreensão de que a conduta de cárcere privado é proibida".

A Defensoria Pública da União se resguardou para ingressar na fase de alegações finais.

Pluralidade e tradições

O laudo antropológico conclui que os réus agiram "dotados de potencial consciência da ilicitude de suas condutas". A maioria ocupava cargos de liderança na comunidade (caciques e/ou pastor).

A Constituição reconhece aos indígenas sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições. Segundo a magistrada, embora os réus sejam imputáveis, não poderiam contrariar a decisão coletiva tomada pela comunidade.

"Acreditamos que a ação dos acusados não só condizia com a tradição de atuação coletiva, como se caracterizou como uma ação de defesa dos direitos da própria comunidade", registrou na sentença.

"Repudiamos, por entendermos racistas e etnocentristas, quaisquer teorias que, atribuindo-lhes uma suposta 'mentalidade primitiva', considerem os indivíduos inimputáveis ou semi-imputáveis em razão da sua condição de indígena, e com base na avaliação do seu grau de integração à sociedade dita 'civilizada'", afirmou a juíza.

Ela decidiu que não seria exigível aos réus que se abstivessem de agir de acordo com seus valores e costumes.

Reconhecida a inexigibilidade de conduta diversa, foram excluídos a culpabilidade dos réus e o caráter criminoso da conduta, o que impôs a absolvição.

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