Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus

Celso de Mello vê intrusão indevida do Poder Legislativo no STF

'STF detém o monopólio da última palavra na interpretação da Constituição'

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São Paulo

Sob o título "O poder reformador do Congresso Nacional não legitima nem autoriza o desrespeito às cláusulas pétreas", o artigo a seguir é de autoria de Celso de Mello, ministro aposentado e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal.

Última palavra sobre a Constituição é monopólio do Supremo, diz Celso de Mello
Celso de Mello, ministro aposentado e ex-presidente do Supremo Tribunal Federal - Nelson Jr./STF - Divulgação


A matéria versada na PEC 8/2021 (que objetiva reduzir os poderes do STF) revela-se frontalmente incompatível com a Constituição da República, pois, ao interferir na autonomia interna do Supremo Tribunal Federal, usurpando-lhe competência normativa que foi outorgada à Corte com exclusividade pelo texto constitucional, transgrediu cláusula pétrea que protege o dogma da separação de poderes, que traduz núcleo temático irreformável instituído pela Carta Política!

A outorga constitucional do poder de regular "o que ocorre e o que se processa portas a dentro do Tribunal" (ministro Mário Guimarães) impede a indevida intrusão do Poder Legislativo em tais matérias!

O regimento interno do tribunal extrai a sua força imperativa, a sua legitimidade jurídica e a sua autoridade do próprio texto constitucional, circunstância que lhe confere imunidade contra qualquer tentativa de ingerência normativa do Poder Legislativo nas matérias sob "reserva constitucional de regimento", como adverte a jurisprudência do STF e ensinam doutrinadores eminentes como José Frederico Marques, Mário Guimarães, Themístocles Brandäo Cavalcanti e Pontes de Miranda, este em lição na qual enfatiza, sempre na perspectiva da separação de Poderes, que a outorga de competência para elaborar e votar o regimento interno representa um dos elementos vitais de independência do Poder Judiciário!

Finalmente, não se sustente, por inadmissível, que, mediante emenda constitucional, tornar-se-ia lícito ao Congresso Nacional interferir na intimidade do STF, para usurpar-lhe a prerrogativa (protegida pela cláusula pétrea da separação de poderes) de imiscuir-se em temas sujeitos à "reserva constitucional de regimento".

Não constitui demasia relembrar, neste ponto, que mesmo emendas à Constituição, como a que pode resultar da PEC 8/2021, por ofenderem categorias temáticas protegidas por cláusulas pétreas - como a autonomia institucional dos tribunais, a reserva constitucional de regimento e o dogma da separação de poderes, qualificam-se como atos eivados do vício insanável da ilegitimidade constitucional, como reiteradamente tem decidido o Supremo Tribunal Federal (ADI 466/DF — ADI 926/DF — ADIN 939/DF, v.g.) !

Vê-se, portanto, que, mesmo valendo-se de emenda à Constituição, o Congresso Nacional sofre limitações materiais explícitas que lhe restringem, por soberana imposição do poder constituinte originário, a competência para reformar o texto constitucional, interditando-lhe, ainda que por esse meio (emenda à Constituição), a possibilidade de regular matérias pertinentes ao funcionamento do STF e a temas sujeitos ao exclusivo domínio normativo do regimento interno da Suprema Corte!

A transgressão congressional a essas limitações --além de configurar esdrúxula hipótese de arbitrária (e inconcebível) dominação parlamentar sobre o Supremo Tribunal Federal-- também importará em grave ofensa a cláusulas pétreas (que protegem o núcleo irreformável da Constituição) e traduzirá situação caracterizadora de vício radical de inconstitucionalidade!!!

Em suma: o poder reformador do Congresso Nacional não autoriza nem legitima o desrespeito às cláusulas pétreas ou cláusulas de salvaguarda do núcleo irreformável da Constituição da República!

Não se pode perder de vista, de outro lado, o fato de que, em nosso sistema jurídico, que consagra o postulado da democracia constitucional, "o monopólio da última palavra" em matéria de interpretação da Constituição da República pertence, exclusivamente, ao Supremo Tribunal Federal, por efeito de expressa delegação que lhe foi outorgada por soberana deliberação da Assembleia Nacional Constituinte, circunstância que lhe confere a condição eminente de órgão de encerramento ("organo di chiusura") de todas as controvérsias constitucionais, por ser definitiva a decisão da Suprema Corte em tema que envolva a exegese da Lei Fundamental da República!

São essas as razões que me levam a considerar altamente questionável, sob perspectiva estritamente constitucional, a PEC 8/2021, por pretender regular matérias protegidas por cláusula pétrea (separação de poderes) cuja razão de ser inibe e veda o exercício, pelo Congresso Nacional, do seu poder reformador!

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