"O Frajola é todo vacinado, castrado e vermifugado. A cada 20 dias nós o levamos ao pet shop para cortar as unhas e limpar as orelhas. Ele é muito bem cuidado", conta Pablo Chaves, 26, bacharel em direito e tutor legal do felino.
No dia 11 de janeiro, uma decisão judicial inédita no estado de Mato Grosso do Sul reconheceu o gatinho preto e branco como animal comunitário e estabeleceu que ele pode permanecer no Condomínio Parque Residencial Mangaratiba, no bairro Tiradentes, em Campo Grande.
A multa para quem tentar tirar Frajola do local é de R$ 20 mil. A decisão confirma a liminar concedida em agosto de 2021 —quando o valor era de R$ 5.000 e um morador chegou a dizer em assembleia do condomínio que estava disposto a pagar o preço para se ver livre do bichinho.
A história do gato com os moradores do prédio começou em 2018. Chaves diz que Frajola chegou lá quando ainda era filhote e já estava castrado, o que indica que pode ter sido vítima de abandono.
"Uma moradora começou a cuidar dele, dando água e ração, e ele foi ficando. Ela tentou adotá-lo, levou o Frajola para dentro do apartamento dela, mas ele não aceitava", afirma Chaves.
Enquanto uma parte dos condôminos se apegou ao felino, um grupo de moradores, incluindo o atual síndico, passou a reclamar da presença do gato.
"Em abril de 2020, ocorreram tentativas e ameaças de maus-tratos contra o Frajola", lembra Chaves. "Uma das moradoras atirou um rojão em direção a ele e outra disse que ia envenená-lo. O marido dessa última, inclusive, falou que 'aqui é Brasil' e que matar animal não dá em nada porque o Judiciário é corrompido."
Meses depois, em setembro, o prefeito de Campo Grande, Marquinhos Trad (PSD), sancionou o Projeto de Lei Complementar 701/20, que criou o programa Animal Comunitário.
O projeto regulamenta que o animal comunitário é aquele que desenvolve laços de afeto e de dependência com a comunidade em que vive. Mesmo que não tenha um dono específico, ele poderá ser mantido no local sob a responsabilidade de um tutor.
"Com essa lei, a gente levou o Frajola ao CCZ (Centro de Controle de Zoonoses) e ele recebeu um microchip de identificação. A gente também fez um RGA (Registro Geral do Animal) para ele, e eu e minha mãe nos tornamos os tutores legais dele", explica Chaves. "O Frajola está todo dentro da lei."
O bacharel em direito levou a cópia da lei e o documento do gatinho para a então síndica do condomínio. "Mesmo com algumas pessoas sendo contrárias à permanência dele, o assunto foi discutido em assembleia e se encerrou aí, no final de 2020", diz.
No entanto, em maio de 2021, um morador que não gostava nem um pouco do Frajola se tornou o novo síndico do residencial.
"Quando assumiu o mandato, ele decidiu que ia usar o poder dele para tirar o gatinho daqui de qualquer jeito", releva o tutor.
"Ele disse que ia deixar o Frajola no CCZ. Aí nós explicamos que ele é microchipado, e que se ele fizesse isso, a equipe de lá ia me ligar para buscá-lo. Então ele falou que ia botar o animal numa caixa e abandonar em outro lugar."
As ameaças foram se tornando cada vez piores, até que em julho de 2021 o síndico fez uma nova assembleia para que as pessoas pudessem votar sobre o despejo de Frajola.
Foi quando Chaves e um grupo de moradores decidiram entrar com uma ação na Justiça.
"Na época, não tinha nem um modelo para a ação aqui no estado. Como eu ainda não tinha me formado em direito, procurei um amigo meu que já era advogado, o Carlos Henrique Justino. Ele assinou e protocolou o pedido de liminar", diz.
"O juiz deferiu o pedido de liminar, mantendo o Frajola aqui, e determinou que o condomínio receberia uma multa de R$ 5.000 se alguém tentasse fazer alguma coisa contra ele."
Mesmo depois de deferida a liminar, um grupo do condomínio continuou insistindo na expulsão do bichano.
"Foi quando um dos moradores se propôs a pagar o valor da multa, achando que assim poderia tirar ele daqui, mas não é bem isso. A multa é pelo descumprimento. Eu traria ele de volta", diz.
Como nem a liminar conseguiu acalmar os ânimos de algumas pessoas, Chaves foi à Delegacia de Crimes Ambientais.
"Mostrei as provas sobre as ameaças de maus-tratos, que também tinha anexado à ação. O delegado veio aqui no prédio e intimou essas pessoas a comparecerem na delegacia. Eles foram até lá, prestaram depoimento, inclusive o síndico, e assinaram um termo de responsabilidade confirmando que estavam cientes sobre maus-tratos e que não fariam nada contra a integridade física e o bem-estar do gato aqui", relata.
Com a intimação, os moradores finalmente pararam com a implicância. Exceto o síndico.
"Duas semanas depois de ele ter assinado o termo, foi deferido no processo o nosso pedido para a colocação de uma casinha na área externa do condomínio para o Frajola dormir. Foi quando, de um dia para o outro, mesmo com a decisão, o síndico tirou a casinha do local."
A briga sobre a casinha ficar ou não no bicicletário foi um episódio à parte, com direito a xingamentos e ameaças, até que a polícia foi chamada.
Em janeiro, o juiz deferiu todos os pedidos na ação e, na sentença, aumentou a multa da liminar de R$ 5.000 para R$ 20 mil.
O Frajola continua no Parque Residencial Mangaratiba, a casinha permanece no bicicletário e, sim, alguns moradores ainda fazem cara feia para o felino.
"Tem morador que ainda implica com o Frajola, já chegou até a jogar um chinelo nele. Inclusive, amanhã vou à delegacia falar sobre isso", diz o tutor.
Depois de tanto empenho para defender o gatinho, Chaves decidiu que vai fazer pós-graduação em direito jus animalista, que é uma área que abrange os direitos dos animais.
"O Frajola fez eu me encontrar dentro da minha profissão", confessa.
"Para homenageá-lo, fiz uma tatuagem no braço com o rosto dele, a marca da patinha que ele assinou as alegações finais com o pedido para ficar aqui no condomínio e o símbolo do direito, que é uma balança."
Agora, para entrar em contato com esse gato, é preciso falar com o advogado dele primeiro.
Para acompanhar a história de Frajola, acesse os perfis no Instagram @ofrajolacg e @pablonchaves95.
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