Guia Negro

Afroturismo, cultura negra e movimentos

Guia Negro - Guilherme Soares Dias
Guilherme Soares Dias

O Rei da resistência do Pelourinho que você precisa conhecer

Clarindo Silva reina absoluto há 51 anos na Cantina da Lua

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Guilherme Soares Dias
Salvador (BA)

"Na resistência". É assim que Clarindo Silva, 80 anos, responde ao ser questionado como vai. Sempre vestido de branco e com roupas sociais, ele reina absoluto há 51 anos na Cantina da Lua, localizada na Praça Terreiro de Jesus, no Pelourinho, em Salvador. O espaço é um símbolo da persistência do empresário que começou como garçom e se tornou dono do espaço. Ele é um dos poucos e mais antigos empreendedores negros do centro histórico de Salvador e foi militante pela revitalização do conjunto arquitetônico na década de 90.

"Seu Clarindo", como é conhecido, organiza saraus e é escritor dos livros "Memórias da Cantina da Lua" e "Conversa de Buzu", que estão à venda em seu espaço. Ele próprio recepciona os clientes com um sorriso e gentileza característicos. Em 2021, quando completou 50 anos à frente do espaço no Pelourinho, lançou o Memorial Cantina da Lua, que abriga um amplo acervo de fotografias, reportagens e documentos que contemplam sua história à frente do restaurante.

A Cantina da Lua serve comidas típicas como moqueca, carne de sol e uma caipirinha, que já foi premiada, além de música ao vivo, e do único caixa eletrônico 24h do Pelourinho. O local é ponto de encontro, palco de reuniões de militantes baianos e um centro cultural que promove os valores da afrobaianidade.

Homem negro, com cabelos e barba brancos, vestido de branco, sorri
Clarindo Silva é considerado "rei da resistência" no Pelourinho - Heitor Salatiel

Com 68 anos trabalhando no Pelourinho, quando questionado onde mora, o empresário responde brincando "aqui", uma vez que passa 16 horas no estabelecimento, mas lembra que "dorme" no bairro de Pernambués, onde tem uma casa com a Dona Boneca, como chama a esposa. Dos quatro filhos, ele vê o primogênito Cleodo Mercio, que é advogado, como quem vai dar continuidade as atividades da cantina.

Clarindo também chamado de "mestre Calá" nasceu em Conceição do Almeida, no Recôncavo Baiano, mudou para Salvador onde também foi repórter policial nos jornais A Tarde, Jornal da Bahia e Tribuna da Bahia. Já na Cantina da Lua, viu a decadência do centro histórico com a saída dos órgãos estaduais e municipais que ali ainda tinham sede e lutou pela revitalização do local. É hoje um dos grandes ícones do Centro Histórico de Salvador. "Preservar o Pelô é um gesto de amor", ressalta sempre.

Rei Momo

Em 2008 foi eleito Rei Momo do Carnaval de Salvador. Na época, a eleição de um homem magro como Rei Momo pela Federação das Entidades Carnavalescas, a Prefeitura de Salvador, a Empresa Municipal de Turismo (Emtursa) e o Conselho Municipal do Carnaval fez com que o Ministério Público da Bahia entrasse com uma Ação Civil Pública contra a escolha. Clarindo quase foi deposto do cargo, mas se manteve no posto. A coroa e roupa chegaram a ser furtadas com alguns objetos em 2020, mas depois foram recuperados. A coroa foi feita sob medida por um artista baiano, contém pedras semipreciosas do joalheiro LasBonfim e deve valer por volta de R$ 10 mil.

Clarindo recebeu o título de Doutor Honoris Causa pela Université Libre des Sciences de L’Homme de Paris e a Comenda da Cultura e das Artes pela Universidade das Américas. O ato de vestir branco todo dia é em agradecimento à Nossa Senhora. "Minha esposa, a Boneca (enfrentou uma gravidez de risco. Fiquei desesperado. Eu amo muito minha boneca. Ela e meu filho Mércio podiam morrer no parto. Eu, que sou um homem de fé, ajoelhei nos pés de Nossa Senhora e pedi socorro. Pedi com fervor. E alcancei a graça", contou à jornalista Wanda Chase, a quem lembrou que a promessa era usar branco durante sete sextas-feiras, mas ele gostou tanto, sentiu-se tão leve, que fez do branco seu uniforme da vida. Wanda o descreve como "guardião do Pelourinho". E, nós do Guia Negro, concordamos, reconhecemos sua majestade e reforçamos seu título de "Rei do Pelô".

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