Chegou na ambulância do SAMU um homem de idade avançada direto da instituição de longa permanência para idosos em que residia, ele tinha insuficiência respiratória, atribuída provavelmente a uma pneumonia bacteriana.
Com demência, Jeremias não podia contar sua história. Coube a Aedo, seu cuidador, nos narrar. Antes de qualquer detalhe clínico, um caso de quase amor.
Jeremias era do sertão de Pernambuco. Rapaz, contraiu compromisso de noivado com Gracinha, tudo apalavrado, casamento marcado, enxoval preparado. No dia do enlace o noivo não apareceu, pegou carona em um caminhão rumo a São Paulo, nunca mais se ouviu notícia.
Jeremias não era cabra para compromisso. Viveu a aventura que quis. Bebeu, dançou e raparigou, até que a velhice e as doenças crônicas, sobretudo a demência lhe incapacitaram para os próprios cuidados.
Os vizinhos, com suporte da assistente social da unidade básica de saúde, conseguiram uma vaga numa instituição que lhe acolheu.
No dia da chegada no novo lar, a primeira pessoa que lhe avistou foi a senhora Maria das Graças.
Desgraçado! Só foi assim: des-gra-ça-do. Ela que está na instituição por um problema motor, mas tem a mente intacta nos contou.
Foi esse filho do cabrunco que acabou com tudo. Infame!
Jeremias fora de si, mas nem tanto, seguia sendo galanteador, oferecia alguma flor que recolhia do chão, Dona Graça nunca recebia.
Engula!
Dia desses, ele ficou mais quietinho, sem querer comer nada, com febre e falta de ar. Fez teste de coronavírus: negativo. Amanheceu azulzinho. Chamamos a ambulância.
Dona Graça fez questão de ficar olhando o homem naquela agonia.
É hoje que essa trepeça me paga!
Quando Jeremias foi colocado na ambulância e a sirene foi ligada, Graça começou a marejar os olhos e a soluçar.
Por que a senhora chora?
É pena desse condenado. É só dó mesmo. Amor não. Deus o livre!
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