Linha de Frente

É no hospital que as histórias de vida começam e terminam

Linha de Frente - Gerson Salvador
Gerson Salvador

Feliz Dia do Médico aos que seguem os preceitos da profissão

Quem julgará a direção do Conselho Federal de Medicina?

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Diversas pessoas, algumas com jaleco branco, protestando com cartazes
Médicos protestam contra Bolsonaro em frente ao Hospital das Clínicas no início de outubro de 2022 - Giovanna Vilella

Dia 18 de outubro é o dia do médico em homenagem a São Lucas, médico amado nas palavras de São Paulo. Antes de tudo, celebro esta data e cumprimento meus colegas de profissão que, muitas vezes sem as melhores condições, ou se contrapondo a interesses outros além do cuidado, se mantêm fiéis à nossa arte, baseada em preceitos éticos desde Hipócrates.

Durante as maiores crises que afligem a humanidade, como as pandemias, os médicos são chamados a se apresentar. Entre exemplos históricos, posso destacar Guy de Chauliac, médico da corte de três distintos Papas na cidade de Avignon, durante a época da Grande Peste do século XIV. No momento mais crítico de mortandade naquela cidade, em 1498, o Papa Clemente VI e seu séquito se retiraram para o campo, entretanto Guy não aceitou lhes acompanhar, permaneceu no local cuidando dos enfermos e documentando os seus atendimentos. Guy também foi infectado, mas felizmente sobreviveu e nos deixou a sua obra-prima Cirurgia Magna, em que cita trabalhos de Avicena, Galeno e Hipócrates. Guy de Chauliac refutou as teses que atribuíam a disseminação da peste a fenômenos astrais, religiosos e inclusive a culpabilização dos judeus por parte das autoridades constituídas com apoio de setores da população.

O Brasil também teve seus próceres no enfrentamento de grandes epidemias, faço destaque à geração de Oswaldo Cruz, Vital Brazil, Adolpho Lutz e Emílio Ribas, que tiveram liderança no enfrentamento da peste que assolou o país na transição do século XIX para o XX a partir dos portos de Santos e do Rio de Janeiro, os esforços destes mestres que associaram o mais avançado conhecimento médico da época às medidas de saúde pública com as necessárias intervenções políticas nos deixou, entre outros legados os institutos que levam seus nomes, e que foram fundamentais no enfrentamento de nossa peste contemporânea: a Covid-19.

Essas referências são necessárias porque iluminam ética e tecnicamente o exercício de nosso labor. Eu mesmo, nos momentos mais difíceis, sem leitos ou recursos suficientes, sabendo que minha vida e, indiretamente, as vidas de meus familiares estavam em risco, lembrei de Guy de Chauliac. Se ele não se apartou de seus pacientes, eu também não o faria.

Entretanto, essa conduta não foi homogênea entre os médicos. Houve os que tiverem posturas oportunistas, aproveitando-se de um momento de fragilidade para oferecer falsas curas. Os autointitulados especialistas de primeira hora em coronavírus que prescreveram e divulgaram os fatídicos tratamentos precoces com remédios contra malária e vermes em geral se assemelham aos mercenários que faziam serviços semelhantes no século XIV, os chamados Doutores da Peste.

E a quem caberia regular a prática, a saber o Conselho Federal de Medicina (CFM), coube uma postura primeiro de omissão. Esconderam-se em seus gabinetes como muitos da corte papal de Avignon. Ignoraram os conhecimentos microbiológicos e epidemiológicos daqueles que edificaram as bases da atual Fundação Oswaldo Cruz, e Instituto Butantã que nos ofereceram vacinas negadas por parte da corporação médica e pelo mais alto nível da República, o próprio presidente.

Em momento posterior a omissão aparente revelou uma adesão acrítica ao Governo Federal, ilustrado na data de hoje, quando membros do CFM, alegando a celebração do Dia do Médico, promoveram um ato de campanha em favor do presidente que chamou os médicos de escravos do protocolo, que endossou a distribuição de medicamentos inefetivos, que deixou médicos sem oxigênio para assistirem a seus pacientes morreram asfixiados. A omissão e a adesão do conselho afrontam a herança de São Lucas, Hipócrates, Galeno, Avicena, Chauliac, Cruz, Lutz, Brazil e Ribas, a própria medicina.

Eu desejo feliz Dia do Médico a quem prosseguiu praticando a medicina pautada nos mais elevados preceitos de nossa profissão, apesar deles que nos julgam e regulamentam nossas práticas. A história os julgará.

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