Maternar

No blog, as mães Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti abordam as descobertas do início da maternidade

Maternar - Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti
Havolene Valinhos e Tatiana Cavalcanti
Descrição de chapéu maternidade

Oportunidades para mães até aumentam, mas empresas ainda patinam no básico

Licença-maternidade de quatro meses, falta de flexibilidade e invisibilidade são alguns problemas

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São Paulo

Ser contratada grávida ou promovida durante a licença-maternidade parecem alvos inatingíveis para muitas mulheres. Ainda mais se pensarmos que metade das mães que trabalham no Brasil são demitidas até dois anos após o término da licença ou que ano passado 7,5 milhões delas estavam fora do mercado de trabalho (dados da FGV), esses "benefícios" ficam ainda mais distantes.

Natália Aricó, 33, sabe que é exceção. Foi contratada pela Endered há um ano, quando estava grávida de seis meses de Giovanna. "Foi unânime a surpresa das pessoas ao saberem meu início em uma nova empresa, ainda mais com uma gravidez avançada", conta.

Ela foi convidada para participar de um processo seletivo por meio de sua rede social. "Confesso que me deu um receio na época, mas depois me senti empoderada e desafiada", conta. Em 2021, esse foi o segundo caso de contratação de grávidas na empresa.

Natália aé uma mulher branca de cabelos longos e lisos escuros. Veste camiseta alaranjada e segura Giovana no colo, uma bebê branca de cabelos loiros, que veste body cinza com desenhos pretos da Minnie e calça branca. A mãe encosta a cabeça na testa da filha e sorri para ela, que retribui, tocando no rosto da mãe com sua mãozinha pequena.
Contrariando estatísticas, Natália Aricó foi contratada grávida - Arquivo Pessoal

Natália, que hoje é business partner –profissional que liga o RH aos demais setores da empresa, teve direito a seis meses de licença-maternidade, o tempo mínimo recomendado pela OMS para que o bebê seja amamentado exclusivamente no peito, e já retornou ao trabalho.

A arquiteta Amanda Caribé, 35, também vivenciou a contramão no mercado de trabalho para as mães. Foi promovida na Gafisa durante a licença-maternidade de Rafael.

"Não conheço nenhuma mulher que tenha sido promovida, no entanto, conheço mulheres que foram demitidas poucos meses após o retorno", observa.

O receio de virar estatística também influenciou a decisão de se tornar mãe. "Isso [medo de ser demitida] alimentou um certo receio sobre a minha carreira durante anos na minha vida. São poucas empresas que encaram a maternidade de forma natural e empática", diz.

Ela retornou à empresa no último dia 3 de março, quando o filho completou cinco meses, após emendar férias à licença de apenas quatro meses.

Amanda é uma mulher branca de cabelos longos escuros, veste uma blusa preta sem manga e levanta o filho Rafael, um bebê branco de cabelos curtos escuros, que veste uma jardineira branca. Ao fundo uma parede de plantas verdes
Promovida durante a licença-maternidade, Amanda conta que ganhou novo ânimo para retornar à empresa - Arquivo Pessoal

Mariana de Marchi, 32, também experimentou uma contratação grávida. Ela descobriu a gestação perto das seis semanas e logo em seguida recebeu a proposta de emprego. Ao abrir a informação para a empresa, conta que recebeu acolhimento e segurança. Com 10 semanas de gestação mudou de emprego.

"Senti que eles usaram isso como uma oportunidade para se reinventar, para gerar pautas positivas e mudar a forma de contratar ou de se posicionar como uma empresa inclusiva", lembra.

"Eu me cobrei muito desde o início. Cheguei a trabalhar 22, 23 horas em alguns dias, como se devesse essa sobrecarga para empresa, pois iria sair de licença brevemente", diz.

Vestiu a camisa da empresa e até saiu em fotos da campanha do Dia das Mães como exemplo de contratação de grávidas. Por causa da pandemia, trabalhou toda a gestação e o pós-parto de forma remota, o que foi ótimo para a amamentação de João Pedro.

Porém, pouco tempo após seu retorno, viu todos os homens do departamento serem promovidos automaticamente, enquanto ela precisou passar por um processo realizado por uma consultoria externa para subir de cargo.

Mariana conta que não participou de debates que resultaram em profundas mudanças estruturais em sua equipe. Perdeu autonomia, era questionada constantemente pela nova chefia sobre como poderia ocupar aquele cargo sendo tão jovem.

Ouvia que não tinha experiência, apesar de estar desde 2005 no mercado de trabalho e ter diversas certificações. Ouvia meu chefe falar pausadamente e dizer que estava falando devagar para ver se eu entendia. Fui descredibilizada na frente de colegas e em diversos momentos fui humilhada", lembra.

Mariana está sorrindo, é uma mulher branca de pele clara, cabelos lisos e castanhos compridos. Está sentada atrás de um notebook colocado sobre uma mesa de madeira. Veste casaco branco sobre blusa azul.
Mariana de Marchi foi demitida após retornar da licença-maternidade - Arquivo Pessoal

A carga emocional desse período somada a descoberta de um câncer de mama em sua mãe –que vive em outro país–, mais a introdução alimentar, a sobrecarga invisível da casa e privação de sono a levaram a ter constantes crises de ansiedade, insônia, variações na produção de leite, ganho de peso e muito estresse. Foi demitida oito meses após retornar da licença.

Ela lamenta a empresa dizer que apoia as mães, mas ignora as demandas invisíveis que estão por trás dessa profissional.

Essas demandas ganharam mais espaço durante a pandemia, quando muitas casas viraram ambiente de trabalho. Antes tabu, a flexibilidade na jornada passou a ser realidade em muitas empresas, que passaram a adotar o modelo híbrido de trabalho, permitindo ao profissional atuar de casa em alguns dias de semana.

Essa flexibilização é tão importante para os trabalhadores com filhos, que aparece em primeiro lugar na pesquisa "Mapeando um ambiente pró-família nas organizações", realizada pela Filhos no Currículo, consultoria focada em criar espaços corporativos cada vez mais acolhedores para pais e mães.

A possibilidade de um trabalho mais flexível superou inclusive os desejos pela licença maternidade e paternidade ampliada, o auxílio-creche e o plano de saúde estendido aos dependentes.

No levantamento, quatro em cada 10 entrevistados afirmam que contar sobre a gestação gera algum grau de insegurança e metade das mães ouvidas disseram que sustentar a amamentação após o retorno da licença é a maior preocupação. Especialistas em aleitamento materno dizem que o tempo da licença-maternidade está diretamente ligado à manutenção da amamentação exclusiva no peito.

Um quarto dos profissionais apresentou alguma parentalidade desafiadora, que inclui experiências como aborto, luto gestacional, parentalidade de filhos atípicos, adoção ou parentalidade solo. Para esses, a percepção de acolhimento dentro das organizações é ainda menor.

"A pessoa que volta de uma licença depois de uma perda gestacional tem um trauma físico e emocional muito grande que precisam ser cuidados nesse retorno. De que forma essa liderança está preparada para acolher?", questiona Michelle Terni, cofundadora da Filhos no Currículo e idealizadora da pesquisa.

Além de ter entrado para a estatística das demitidas após a licença, Mariana de Marchi lembra que também não teve apoio quando perdeu um bebê na empresa anterior. "Ouvi do RH 'ah, isso é super normal'. Foi desumano, devastador e eu tive que seguir em frente como se absolutamente nada tivesse acontecido, mesmo tendo me tornado mãe, sem a parte que mais me importava: o meu bebê", lamenta a profissional que não usufruiu da licença à qual tinha direito por lei.

Todas as mudanças necessárias para que as empresas sejam justas com as mães só vão ocorrer quando o debate for feito com isonomia. "Não é uma pauta só da mulher. As mães carregam a carga mental, histórica e estrutural, mas a solução passa por entendermos essa pauta como uma pauta da família, uma pauta de todas as pessoas", diz Michelle.

Na opinião da CEO, o conceito de licença parental, que traz ao pai a corresponsabilidade na criação dos filhos, fará com que um recrutador não pense duas vezes antes de contratar uma mulher. "Ele não vai mais ficar pensando que ela ficará fora quatro ou seis meses. Esse pai também vai precisar se ausentar, e quando o ônus é dos dois, o bônus também será dos dois", frisa.

DIVERGÊNCIAS

Na pesquisa da Filhos no Currículo, as mães apareceram mais criteriosas do que pais e líderes quando o assunto é satisfação no ambiente de trabalho.

Enquanto 90% dos homens dizem acreditar que a empresa na qual trabalham é um bom lugar para as mães, apenas 68% delas responderam ter essa percepção. A discrepância também aparece entre líderes (83%) e colegas de profissionais com filhos (80%).

Entre as ações apontadas como desejáveis, a liderança acolhedora e empática aparece como requisito principal (72%). Vem seguida da recepção no retorno da licença, a preparação para a licença e mentorias de carreira após a chegada dos filhos, apoio psicológico e, por fim, programas de acompanhamento para gestantes e parceiros.

Ao serem perguntados se sentiam alguma insegurança ao comunicar suas necessidades para o gestor, 45% responderam ainda ficar inseguros, e 35% dos colaboradores, em geral, afirmaram ter nenhuma ou pouca clareza sobre as políticas de parentalidade da empresa onde trabalham.

A pesquisa "Mapeando um ambiente pró-família nas organizações" ouviu 1.568 profissionais de empresas de todas as regiões do país, entre os meses de novembro de 2021 e janeiro de 2022. O levantamento teve o apoio da Talenses Group e do Movimento Mulher 360.

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