Mensageiro Sideral

De onde viemos, onde estamos e para onde vamos

Mensageiro Sideral - Salvador Nogueira
Salvador Nogueira

Webb descobre seu primeiro exoplaneta, mas não se acostume

Estratégia de uso do telescópio adotada pela Nasa desfavorece achados do tipo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A semana que passou teve mais uma das tradicionais reuniões da Sociedade Astronômica Americana. Entre os muitos resultados apresentados, tivemos o primeiro exoplaneta oficialmente descoberto pelo Telescópio Espacial James Webb. Mas é bom não se acostumar.

O trabalho, liderado por Kevin Stevenson e Jacob Lustig-Yaeger, da Universidade Johns Hopkins, em Laurel, Maryland (EUA), só foi possível porque havia uma pista concreta de sua existência, colhida pelo satélite Tess –esse sim especialista em descobrir mundos extrassolares.

Em tese, o Webb é perfeitamente capaz de descobrir planetas pelo método do trânsito, em que o telescópio detecta a redução momentânea de brilho de uma estrela quando um planeta em órbita dela passa à sua frente, como um minieclipse. Mais que capaz, o Webb seria melhor que qualquer outro telescópio para isso.

Concepção artística do planeta rochoso LHS 475 b e sua estrela, uma anã vermelha a 41 anos-luz de distância
Concepção artística do planeta rochoso LHS 475 b e sua estrela, uma anã vermelha a 41 anos-luz de distância - Nasa/ESA/CSA/L. Hustak (STScI)

Contudo, a aplicação eficaz da técnica exige observação constante ao longo de muito tempo, já que não se sabe de antemão quando um planeta até então desconhecido vai transitar à frente da estrela. E isso não casa com a gestão do Webb. Telescópios como ele têm cada segundo de observação disputado a tapa pelos astrônomos, com propostas de pesquisa no estilo "cada enxadada, uma minhoca": cada olhadinha do satélite tem de trazer resultados científicos relevantes. Foi essa estratégia que tornou o Hubble o telescópio mais produtivo da história da astronomia, e ela certamente fará o mesmo pelo Webb agora.

Então como, nesses termos, rolou a descoberta do exoplaneta LHS 475 b? O Tess já havia feito a possível detecção, embora incerta, do astro, e os dados do satélite permitiam inferir o momento exato de trânsitos seguintes. Faltava só dar uma olhadinha na hora agá para confirmar a predição. Dito e feito: o Webb foi apontado e viu a curva de luminosidade da estrela LHS 475 se reduzir e depois aumentar, conforme o planeta passava à frente dela, denunciando sua própria existência.

Curva de luminosidade da estrela LHS 475 captada pelo Webb, durante o trânsito do planeta b à sua frente
Curva de luminosidade da estrela LHS 475 captada pelo Webb, durante o trânsito do planeta b à sua frente - Nasa/ESA/CSA/L. Hustak (STScI)

O que impressiona é a qualidade dos dados. A curva de luz mostra com clareza ímpar uma redução de mero 0,1% no brilho da estrela, uma anã vermelha a 41 anos-luz daqui, na constelação do Octante. Isso se traduz em um planeta rochoso com 99% do diâmetro terrestre. Mas as semelhanças acabam aí: completando uma volta em torno de seu modesto sol a cada dois dias, deve ser quente demais para suportar vida.

Contudo, é possível que tenha uma atmosfera, e um dos grandes trunfos do Webb é a capacidade de detectar a potencial composição desses mundos. A equipe bem que tentou, mas foi impossível encaixar qualquer modelo ao espectro (assinatura de luz) colhido pelo telescópio. Já dá para dizer que o LHS 475 b não tem uma atmosfera densa baseada em metano, como a da lua Titã, de Saturno. Mas não se pode descartar outras composições, em particular uma dominada por dióxido de carbono. Por sinal, os dados também não são incompatíveis com uma ausência total de atmosfera. Talvez, com uma olhadinha mais detida, numa próxima ocasião, o Webb possa revelar mais. Mas os astrônomos que lutem para conseguir mais tempo com ele.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras, na Folha Corrida.

Siga o Mensageiro Sideral no Facebook, Twitter, Instagram e YouTube

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.