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Mensageiro Sideral - Salvador Nogueira
Salvador Nogueira
Descrição de chapéu astronomia

Pousar na Lua logo será como descer no aeroporto de Guarulhos

Revolução no acesso à superfície lunar vai mudar nossa relação com o satélite natural

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São Paulo

Nossa relação com a Lua vai ter de mudar. Até hoje, ela foi principalmente um astro que nos causou encantamento, inspiração e uma boa dose de misticismo. Mas já estamos na caminhada para tornar a Lua outra coisa –um lugar, que vamos visitar e explorar (em todos os sentidos) com frequência.

Neste fevereiro que acaba de se encerrar, vimos o módulo não tripulado japonês Slim despertar de seu sono da noite lunar e mandar novos dados à Terra --algo inesperado, dada a variação de temperatura brutal a que o equipamento foi submetido durante os cerca de 14 dias em que a luz solar não incidiu sobre aquela região. Mais importante, no último dia 22, vimos o primeiro pouso de uma espaçonave privada na Lua. O alvo foi a região do polo sul lunar, cobiçada pela presença de água em forma de gelo no fundo de crateras escuras.

A saga do Odysseus, módulo lunar da empresa americana Intuitive Machines, fez jus a seu nome inspirado no épico de Homero. Nos pouco mais de sete dias que levou para cruzar a distância que nos separa de nosso satélite natural, a equipe responsável pela sonda enfrentou grandes percalços –o maior deles, uma falha de seu altímetro a laser. Em apenas duas horas, os engenheiros tiveram de improvisar um meio de usar lasers de um outro instrumento a bordo para realizar a medição da distância ao solo.

Última imagem enviada pelo Odysseus na superfície da Lua antes de esgotar as baterias, com a Terra crescente ao fundo, em 29 de fevereiro de 2024
Última imagem enviada pelo Odysseus na superfície da Lua antes de esgotar as baterias, com a Terra crescente ao fundo, em 29 de fevereiro de 2024 - Intuitive Machines

O esforço acabou não dando certo. Ainda assim, o Odysseus realizou seu pouso apenas baseado no sistema de reconhecimento de imagens. Desceu um pouco mais depressa do que o previsto, com alguma velocidade lateral, o que o fez quebrar uma das pernas no toque com o solo e, enfim, tombar. Mesmo caído, o módulo seguiu operacional e conseguiu ativar todos os instrumentos científicos que a Nasa despachou com ele (a um custo de US$ 118 milhões), além de outras cargas privadas. Agora os controladores vão ficar de olho para ver se, a exemplo da sonda japonesa, quando os raios solares voltarem a incidir sobre os painéis, o Odysseus despertará de seu sono, em duas a três semanas.

Isso foi só em fevereiro. A Intuitive Machines pretende realizar mais dois voos à Lua em 2024. Outra empresa americana, a Firefly, também tem voo marcado para este ano. A japonesa ispace, que falhou em seu primeiro pouso em 2023, vai tentar de novo neste ano. E a americana Astrobotic, que teve problemas com seu pioneiro lançamento de janeiro e nem chegou a tentar um pouso, pode voltar à carga ainda neste ano também. Fora os chineses, que com seu programa lunar estatal pretendem fazer a primeira coleta de amostras do lado afastado da Lua em maio, com a missão Chang'e 6.

Os próximos anos devem ser similares, e esses voos serão precursores de futuras missões tripuladas à superfície. Resumo da ópera: vamos ficar enjoados de ver pousos na Lua. Vai ser um pouco como ver um avião pousar em Guarulhos. Nosso satélite vai estar pela primeira vez, de forma sustentável, ao constante alcance de visitantes robóticos e humanos.

A transição exigirá algumas reflexões. No lançamento da Astrobotic, que levaria cinzas humanas à superfície lunar, representantes da nação Navajo, povo originário norte-americano, manifestaram oposição, por considerar a Lua sagrada em suas crenças. Mas é a Lua em si ou a imagem da Lua, admirada por incontáveis gerações ao redor do mundo?

É óbvio que será preciso conduzir essas novas missões com algum respeito, e talvez seja importante impor regras estabelecendo que quaisquer empreendimentos lunares não podem mudar a aparência do satélite como visto a olho nu da Terra –preservando o aspecto sagrado das culturas tradicionais. Mas é inevitável a essa altura que o solo lunar passe a ser visto como um novo continente a ser explorado, parecido com o que aconteceu na Antártida, nos séculos 19 e 20.

Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, na Folha Corrida.

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