Em anúncio feito na última segunda-feira (15), a Nasa basicamente pediu socorro à indústria para desenvolver um plano crível para trazer de Marte as amostras que o rover Perseverance vem colhendo desde que iniciou suas operações no planeta vermelho, em 2021. Para alguns, já é um sinal de um "cancelamento suave" do projeto, tido pela comunidade acadêmica como uma das maiores prioridades da agência espacial americana.
Na corda bamba há uns bons dois anos, o projeto atual, desenvolvido em parceria com a ESA (Agência Espacial Europeia), envolveria uma série complexa de lançamentos, com o envio de uma nave-mãe até a órbita de Marte e um módulo de pouso equipado com um mini-helicóptero e um foguete capaz de inserir uma cápsula com as amostras à órbita marciana, onde se encontraria com a nave-mãe para retorno à Terra.
O probleminha: o orçamento já foi muito além da estimativa original, chegando a US$ 11 bilhões. Além disso, para gastar essa dinheirama toda no contexto de uma agência que está passando por cortes de despesas, só seria possível trazer as ditas amostras para que pudessem ser estudadas pelos cientistas em 2040. Para o atual administrador da Nasa, Bill Nelson, é dinheiro demais, tarde demais. Em contraste com essa perspectiva pessimista, os chineses pretendem ter rochas marcianas de volta à Terra em 2031, lançando mão de uma arquitetura mais simples. É verdade, não serão muitas, nem serão tão bem escolhidas. Mas virão nove anos antes.
O que fez a Nasa, então? Realizou uma coletiva dizendo que irá revisar seu plano e também pedirá sugestões da indústria espacial americana sobre como conduzir a missão mais depressa, por menos dinheiro e com menos complexidade e risco. Fácil. Só que não.
Para não inviabilizar o esforço, a agência está baixando suas exigências. Com o novo escopo, dez dos tubos de amostras recolhidos pelo Perservance já bastariam. Pela arquitetura original, seriam 30. A perda científica pode ser considerável. Mas será que, ainda assim, surgirá uma alternativa capaz de salvar a missão? Há quem duvide. Segundo Louis Friedman, cofundador e diretor executivo emérito da ONG Planetary Society, a atitude marca praticamente a desistência da Nasa do projeto, apesar do verniz dado ao anúncio. "De fato, a decisão orçamentária foi feita um par de meses atrás e resultou em dispensas de grande parte da força de trabalho da missão de retorno de amostras de Marte", escreveu, em artigo para a publicação SpaceNews.
O foco da agência no momento claramente é o retorno à Lua, programa que segue bem financiado, a despeito dos cortes em outros projetos. Com isso, os EUA podem perder uma dianteira significativa com relação à China. O retorno de amostras marcianas é considerado crucial por seu potencial para revelar se de fato houve ou não vida no passado do planeta vermelho. Até hoje, estudos feitos com meteoritos provenientes de lá foram, na melhor das hipóteses, inconclusivos.
Tendo visitado uma região de Marte em que a água foi abundante no passado remoto, o Perseverance colheu amostras que, se fossem da Terra, teriam preservado com clareza evidências fossilizadas de vida. Resta saber se algum dia elas terão a chance de ser analisadas de perto pelos cientistas.
Esta coluna é publicada às segundas-feiras na versão impressa, na Folha Corrida.
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