Morte Sem Tabu

Morte Sem Tabu - Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Camila Appel, Cynthia Araújo e Jéssica Moreira
Descrição de chapéu Mente

Vida longa ao legado do Skank

Banda mineira se apresenta pela última vez no Mineirão, em Belo Horizonte

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Coveiros gemem tristes ais e realejos ancestrais...

Escrever essa frase fez com que eu me lembrasse do artigo sobre o último show da carreira do Milton Nascimento, que publiquei em novembro, quando fui acusada de insensível pelos twiteiros de plantão, porque confundiram o nome do nosso Blog- "Morte sem Tabu"- com o título. "Que absurdo colocar Milton e morte na mesma frase", disseram.

Deixo logo claro, então, que os coveiros estão no início da música "Tanto", do Skank, e que este texto não tem nada a ver com morte. Ou será que tem?

"Tanto", versão de "I want you", de Bob Dylan, foi minha música preferida por algum tempo. Uma das primeiras que aprendi a tocar no violão.

Passei boas horas da minha vida tentando decifrar seu dândi que vai de paletó chinês.

Mais ou menos na mesma época, cantava, com indignação, que se o país não for pra cada um, pode estar certo, não vai ser para nenhum. Isso pouco tempos antes de errar, por anos, a letra de "Pacato cidadão".

Como não amar uma banda que cantava que te ver e não te querer é tão impossível como não morrer de raiva com a política? Mazelas do país sempre aliadas a amores possíveis e impossíveis.

O Skank entrou na minha vida no fim da infância, início da adolescência, ainda na cidade onde nasci, Petrópolis, no Rio de Janeiro.

Mas foi quando me mudei para Belo Horizonte, em 1997, já depois do sucesso de "Garota Nacional", que nosso vínculo afetivo se aprofundou.

Quatro integrantes do Skank se abraçam de costas para câmera sobre o palco com público à frente
Show do Skank no Espaço das Américas (zona oeste de São Paulo) - Rafael Strabelli - 13.mar.2022/Divulgação

Naquela época, eu deixava fita cassete no aparelho de som para gravar as músicas de que gostava, quando tocassem na rádio. Você, da era Spotify, não deve fazer ideia do que é isso, mas, depois de gravar, ainda tinha que ficar ouvindo para escrever a letra à mão. Tempos difíceis. Bons tempos.

Pouco depois que nos mudamos, minha mãe não me deixou ir ao Pop Rock Brasil, um festival de música em Belo Horizonte que reunia muitas das bandas que eu mais escutava. Transmitiram ao vivo pela 98 FM e eu passei horas chorando. E gravando.

Ir ao cinema com você, um filme à toa no Pathé, pertinho de onde morávamos, tinha se tornado parte da minha vida. O Cine Pathé, primeiro cinema de Belo Horizonte, no coração da Savassi, fecharia as portas um ano depois.

Foi uma tristeza imensa. Pouco antes de me mudar de Petrópolis, o Cinema Petrópolis, também o primeiro da cidade, tinha encerrado suas atividades. Desculpem-me pela falta de sorte que trago, pensei.

Em algum dos anos seguintes, aconteceria "Resposta", cuja história, muito curiosa por sinal, eu só conheci recentemente. A música foi gravada por Milton Nascimento e Lô Borges: uma daquelas coisas que fazem de Minas Gerais tão especial- apesar de todos os reveses que vem sofrendo nos últimos anos.

Realmente, não dá para não morrer de raiva com a política.

Consegui ver o Skank no Pop Rock, finalmente, em 2001, em sua primeira vez- e minha também- no Mineirão. O pai da Mari fazia o marketing do evento e conseguiu dois ingressos na área VIP. Cantamos a melhor balada romântica já criada naquela blusinha amarela grandona, de uma época em que customizar abadá ainda não era moda por aqui. Mesmo que a gente se separe por uns tempos ou quando você quiser lembrar de mim... toque a balada do amor inabalável, swing de amor nesse planeta.

O Skank já existia há mais de 10 anos quando lançou "Dois Rios", em 2003. Mas as músicas da banda se incorporam de tal maneira ao nosso acervo musical, que eu seria capaz de apostar que ela já existia quando nasci. Como se a gente não conhecesse as canções. Reconhecesse.

Tinha acabado de voltar a Belo Horizonte, depois de quase 2 anos morando fora, quando outra música do mesmo disco explodiu. Ela embalou meus anos de faculdade, quando eu tinha o apelido de Estrela e ficava emocionada quando alguém cantava para mim que Vou deixar a vida me levar para onde ela quiser, seguir a direção de uma estrela qualquer.

Depois de "Eu ainda gosto dela" e da sequência "Sutilmente", "Noites de um verão qualquer" e "De repente", um amigo comentou algo que nunca esqueci: "não é só que eles são ‘hit makers’. É que eles conseguem não fazer sequer uma música ruim".

Verdade. Vejam que coisa, as músicas que menos gosto da banda são "Saideira" e "É uma partida de futebol", peço desculpas desde já. Enquanto "O beijo e a reza" é de 1994, "Sutilmente" é de 2020. Como pode produzir tanta coisa tão boa durante tanto tempo?

BELO HORIZONTE, MG, BRASIL, 26-03-2023, 19:30h. Público chega ao último show do Skank no estádio Mineirão, em Belo Horizonte. após uma longa turnê nacional de despedida, o grupo decide encerrar a carreira em Belo Horizonte para uma imensa plateia de fãs que lotaram o estádio do Mineirão. (Alexandre Rezende/Folhapress COTIDIANO) ***EXCLUSIVO FOLHA***

E ainda assim decidir encerrar.

30 anos depois, o Skank se despede hoje.

Samuel Rosa disse que a decisão serve para proteger o legado. Quem sabe se encontrar de novo, mas sem passar pelo constrangimento de se tornar cover de si mesmos.

Sei que o encerramento da banda não a tira de nós. Mas como não sentir falta de ir pro Rock in Rio ver o John Mayer e se emocionar, porque de repente está tocando o Skank ali? Não tem jeito, de certa forma, a gente se acostuma com a ideia de que a banda existe e que sempre terá a oportunidade de assistir a mais um show. É como a gente conta o tempo, como conta a vida. E de repente, não está mais lá.

Eu tinha pouco mais de 20 anos quando o The Police fez um show no Maracanã, em uma turnê depois de décadas de pausa. Era uma chance única e eu iria de qualquer maneira, mesmo que isso representasse um perrengue e tanto – como de fato foi. Eu e minha irmã tínhamos crescido ouvindo Roxanne, uma das músicas favoritas do meu pai, e já cantávamos Every breath you take muito antes de a nossa geração a redescobrir.

Era legado o que a gente estava assistindo ali. Essa coisa tão grande e bonita, das canções que acendem o sol no coração das pessoas. Pra fazer brilhar como um farol o som depois que ressoa.

Vida longa, Skank. Vida longa ao seu legado. E, se a gente der sorte, logo ali na frente, a gente mata essa saudade.

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