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Os bastidores do jornalismo nas periferias de SP

Como é fazer jornalismo nas periferias com foco na educação

Estudantes universitários do Ceará descobrem o que acontece nas escolas a partir do território

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Cleber Arruda
São Paulo | Agência Mural

Meus pais são cearenses e morei por mais de 10 anos, entre infância e adolescência, idas e vindas, no bairro do Pirambú, conhecido como a maior favela de Fortaleza, onde estudei em algumas escolas públicas. Lembro o quanto foi estranho tentar me adaptar ao telensino na oitava série, com aulas pela tv e apenas um professor para acompanhar a sala. Consegui trocar de escola e fui para o noturno, único horário que não tinha as aulas pela TV, com professores lecionando as matérias da grade.

Esse tipo de história sobre o que tem acontecido no ambiente escolar ainda é pouco explorada pelo jornalismo e tem sido um dos objetivos que a Agência Mural têm buscado cumprir. E, este ano, um projeto me fez voltar a ter esse contato com o Ceará.

Desde março, selecionamos 21 estudantes universitários moradores das periferias do Ceará para participar da formação sobre cobertura jornalística nas periferias e, mais especificamente, sobre educação, do programa Acontece nas Escolas, realizado pela Agência Mural. Desse treinamento, oito produzirão reportagens sobre a educação na região e meu papel é coordenar a equipe que publicará esses conteúdos.

Sala de aula do EJA (Ensino de Jovens e Adultos) com ao menos 14 alunos sentados, nas carteiras, vestindo camisa azul com a inscrição EJA. Ao fundo, no alto da parede, folhas de sulfites com letras inscritas usadas para ensinar o alfabeto
Como um EJA em Fortaleza tem realizado o sonho de jovens a idosos foi uma das reportagens sobre educação no Ceará - Agência Mural

Um dos estudantes é Antonio Filho, 20, que está no 4º semestre do curso de jornalismo da UFC (Universidade Federal do Ceará) e vive a correria diária de estudar e trabalhar longe de casa, localizada no bairro do Mondumbim, em Fortaleza, e que fica a cerca de 17 km do trabalho dele no bairro Cocó, na região central da cidade.

"Para chegar às 7h no meu estágio, acordo 4h30 e vou de ônibus. Saio às 13h do trabalho e vou direto para faculdade. Demoro mais uns 40 minutos de ônibus para chegar lá, onde tenho aula todas as tardes. Para voltar, pego metrô e, se sair às 18h, consigo chegar em casa às 19h", conta.

Antonio conta que a reportagem "Coletivo universitário de Fortaleza luta pela inclusão de trans e travestis no ensino superior", publicada no dia 13 de maio, foi um marco neste seu início de carreira.

A principal entrevistada foi Dandara Silva, 22, uma universitária trans negra, integrante do coletivo Transpassando, que tem como missão incluir por meio da educação a população trans e travestis no meio acadêmico.

"Dandara foi a minha primeira entrevista presencial. Até faltei a aula no dia. Acho que uma das coisas que mais me encanta no jornalismo é ter a oportunidade de conhecer a história de pessoas como ela", conta o repórter.

"Foi minha primeira reportagem publicada em um veículo. Só falta imprimir e colocar no portão da minha casa. E o que me deixou contente também foi a repercussão, ver que a Dandara divulgou amplamente em suas redes sociais e ficou muito feliz."

Renan Moreira, 22, foi o autor de "De olho no mercado, alunos avaliam cursos técnicos de escola na Barra do Ceará", a primeira da série. Na reportagem, Renan volta à escola onde estudou, a Paulo Petrola, localizada na Barra do Ceará, bairro periférico de Fortaleza, para conversar com alunos, professores e ex-alunos.

Para recolher informações para sua reportagem, Renan entrevistou mais de 13 pessoas e fez uma busca extensa de dados sobre o método de ensino que prepara os estudantes para carreiras profissionais. "Eu vim de lá e sei de coisas bem bacanas que são feitas, que são diferentes do ensino médio padrão por onde passam muitas pessoas periféricas".

"Aprendi que quero ser um profissional que consiga olhar de uma forma mais humana para as pessoas. Não quero ser um jornalista que não vê o lado bom das coisas, ou sem me aprofundar."

Mão de mulher pega  um absorvente em uma caixa roxa
Estudantes distribuem absorventes e discutem saúde menstrual em Horizonte, no Ceará - Agência Mural

Lívia Nogueira, 22, residente do município de Horizonte, na região metropolitana cearense, se dedicou à produção da reportagem "Estudantes distribuem absorventes e discutem saúde menstrual em Horizonte, no Ceará".

Para ela, foi uma oportunidade de conhecer melhor a questão da pobreza menstrual no ambiente escolar e mostrar como o problema é enfrentado por uma iniciativa de alunos de uma escola pública da sua cidade, a Escola Estadual de Educação Profissional (EEEP) Lúcia Helena Viana Ribeiro.

"Foi encantador entrar em um ambiente escolar importante para a cidade onde resido e conhecer jovens tão comprometidos e inquietos com a problemática da pobreza menstrual. Importante dar visibilidade a essa discussão e a essa iniciativa."

Participar como editor desta fase do programa no Ceará tem sido um aprendizado mútuo e constante. Algo que vem como continuidade ao trabalho que desenvolvi com a Mural Salvador, no qual também participei como editor da equipe de correspondentes periféricos da capital baiana, entre novembro de 2020 e novembro de 2021.

Os textos da turma do Ceará entram no site da Agência Mural todas as sextas-feiras, até o dia 24 de junho. A iniciativa tem apoio do Instituto Unibanco.

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