Música em Letras

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Música em Letras - Carlos Bozzo Junior
Carlos Bozzo Junior

Um dos melhores bateristas da atualidade, Rodrigo Digão Braz, faz show nesta terça, em São Paulo

Recém-chegado do Japão, músico concedeu entrevista exclusiva ao blog

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Acontece nesta terça-feira (12), no Alma, bar no bairro de Pinheiros, em São Paulo, a apresentação do exímio baterista, professor, arranjador e compositor Rodrigo Digão Braz, que em trio apresentará músicas de seus dois álbuns: "Carvão" e "Isolamento Musicado".

Recém-chegado de um tour de 18 dias atacando com o grupo de Hermeto Pascoal pelo Japão, Digão se apresenta no show desta terça-feira com o baixista Jackson Silva e o pianista Oscar Aldama, além das participações especiais de Henrique Albino, no sax, e André Juarez, no vibrafone.

Em foto colorida, o baterista, professor, arranjador e compositor Rodrigo 'Digão' Braz posa sorrindo para a câmera
O baterista, professor, arranjador e compositor Rodrigo 'Digão' Braz - Divulgação

Professor e há 22 anos regente da escola de samba #batucada conservadora, no conservatório de Tatuí, no interior de São Paulo, Digão tem, além de seus dois discos solos, mais de 60 álbuns nos quais gravou o seu som. Som este que já foi apreciado, ao vivo, em 13 países. Digão também é julgador e coordenador do quesito bateria nos Carnavais de São Paulo, Rio de Janeiro e Uruguaiana.

Experiência não lhe falta. É através dela que Rodrigo Digão Braz constrói uma carreira sólida, de quase 30 anos, e tocando sempre com muita vontade, com um suingue absurdo, uma precisão de relógio suíço e um bom gosto incrível.

Em suas apresentações o músico costuma mostrar caminhos novos percorridos por meio de muito estudo aliado à prática. O resultado sempre surpreende. Digão é um artista inquieto, em constante evolução e, apesar de já saber muito sobre a arte de amealhar os sons, transmite com maestria sem ostentar o que sabe. Mais do que música, Digão sabe sobre conduta, respeito aos companheiros de palco, sobre sua função de conduzir brilhantemente, como poucos, e sobre os momentos que tem de solar...Meu Deus, sola, e muito bem. Um assombro.

Talvez o artista seja o que é por saber ser necessário ignorar que se sabe, para aprender o que se ignora.

Leia, a seguir, a entrevista exclusiva concedida ao blog por um dos grandes bateristas da atualidade.

Em foto preto e branco, o baterista, compositor e arranjador Digão posa para a câmera sorrindo
O baterista, compositor e arranjador Digão - Divulgação

Como foi sua turnê pelo Japão com o grupo de Hermeto Pascoal?

Primeiramente, falar desse ícone musical mundial realmente é algo único pra mim. Sou seguidor e adepto da música do Hermeto Pascoal desde minha formação musical e todas as minhas fruições musicais perpassam pela arte desse multi-instrumentista brasileiro contemporâneo - Oh, sorte. Que privilégio! - que tanto contribuiu para a difusão das formas - no plural - que podemos interagir na música instrumental improvisada. Isso posto, viajar pro outro lado do mundo com o campeão foi um deleite nos vários campos: profissional, social, pessoal e afetivo. Desfrutar da cultura japonesa, fazer belos concertos como o Frue Festival, interagir com o novo e com os músicos já conhecidos do grupo fez com que em muitos momentos eu me questionasse: Onde estou? Estou a escutar o disco? Estou dentro do disco? Seria um sonho? Realidade criada na minha cabeça? Esse mix de sensações me entorpeceu antes, durante e ainda reverbera por aqui.

Você substituiu o Ajurinã Zwarg, baterista oficial do grupo de Hermeto Pascoal, porquê?

A história é bem bonita! Ajurinã, dono do posto de baterista do grupo já há dez anos, me ligou numa segunda pela manhã solicitando uma substituição na Nave Mãe, título carinhoso dos integrantes da banda para o grupo de Hermeto. O motivo foi por conta do nascimento da sua filha Inaê, no meio da turnê. Por coincidência, eu também estava próximo do nascimento da minha filha, Lis Dias Braz. A diferença é que minha filha nasceria entre 45 a 70 dias, antes da viagem, e a filha do Aju nasceria poucos dias antes ou até mesmo durante a turnê. Sua opção foi ficar no Brasil para acompanhar e dar todo o suporte à família nesse momento. No início eu falei sim para a substituição, mas, como um gatilho por conta da paternidade, novamente me coloquei: "Aju, preciso falar em casa com minha parceira (Camila Dias) sobre essa possível viagem e ausência nos cuidados com a bebê". Ao consultar minha esposa, de forma tendenciosa - confesso, hehehe-, ela me falou: "Não dá pra eu dizer sim ou não sem saber pra onde e com quem!". Foi aí que revelei toda a gira e ela me disse: "Impossível dizer não e digo mais: muito orgulho de você por mais esse momento". O desfecho é o que já sabemos: quatro cidades, cinco concertos e muita música.

Quando partiram e quando voltaram ao Brasil?

A viagem teve um total de 18 dias. Partimos no dia 28 de outubro e voltamos no dia 14 de novembro.

Quantos dias viajando?

Foram 18 dias entre viagens, concertos e visitas a cidades.

Quantas cidades?

Tóquio, Kakegawa (província de Shizuoka), duas horas ao sul de Tóquio, visitamos o monte Fuji, e descendo um pouco mais chegamos em Osaka, também visitamos Kioto. Até então, tudo de trem-bala para percorrer 320 quilômetros. Na última cidade e província, por conta da distância - cerca de 1.200 km ao norte do país -, o transporte utilizado foi uma aeronave até chegar na cidade de Hachinohe, na província de Aomori. Vale destacar que essa é a região da Miharu Matsuhashi, nossa tour manager que nos acompanhou toda a trip. Ela é fluente em português, amante da cultura tupiniquim e ótima anfitriã.

Qual a reação do público diante da obra de Hermeto Pascoal?

A melhor possível. Hermeto tem uma energia, luz, carisma e percepções ímpares. Isso reflete na sua música e sua interação com qualquer indivíduo que se depara com esse alagoano de 87 anos. Ai, diante de tanta arte e sabedoria, o inevitável acontece: são japoneses pulando - literalmente - em êxtase, tamanha energia vibracional vinda de acordes, ritmos e melodias organizadas de forma sublime. Verdadeiras obras de arte.

O que te surpreendeu nessa viagem?

O respeito, senso de coletividade, solidariedade e, acima de tudo, a solicitude do povo japonês. Poderia enumerar várias passagens, mas uma em especial me chamou a atenção. Todo concerto o Hermeto presenteava a plateia com uma, duas até quatro partituras que ele compunha horas antes do show. No concerto de Osaka, para distribuir as partituras, a Miharu propôs um jogo famoso no mundo todo, o "jo-quei-pô". No início, não entendemos a ideia mas, aos poucos, vimos um público de aproximadamente 600 pessoas em pé ir sentando conforme notava sua perda na jogada. Restou então a impressionante marca de uma pessoa, que ganhou a peça inédita e exclusiva de Hermeto Pascoal. Eu fiquei pasmo com tamanha sinceridade de todos os presentes

Passou algum perrengue? Qual?

Olha, foi diferente de algumas viagens que fiz nos últimos anos, com perrengues como mala extraviada, greve da malha ferroviária precisando ir de Paris para Lyon, procura por carro de aplicativo para uma viagem de seis horas com um argelino que não falava inglês e eu não falante do francês, tudo isso na França, em janeiro de 2023, em turnê com o André Marques Trio. Nessa trip com o Campeão, nada perto disso. Foi tudo na sua normalidade, graças ao produtor do grupo, o ótimo profissional Flávio Scubi que deixou tudo mais fluido, tranquilo.

Conte uma história engraçada que aconteceu com você e seus irmãos de som nessa viagem pelo Japão.

Todo jantar em que estava o percussionista e filho do Hermeto, Fábio Pascoal, terminava em samba. Começava assim: um canto discreto; uma batida de mão na mesa; alguns locais incomodados com o barulho dos brasileiros e, aí sim, o final era praticamente todo restaurante cantando, incluindo os donos do estabelecimento felizes e cantantes. Dá pra conferir em vídeo na minha página no Instagram toda essa festa.

Qual lição tirou dessa turnê com o grupo do Hermeto?

Mais uma vez eu vejo, sinto e presencio a manutenção da arte musical em seu mais alto nível. O resultado são experiências das mais diversas com quem recebe essa arte feita ali no momento presente, executada com maestria, envolvendo todos os participantes de forma coletiva,plural mas respeitando suas individualidades.

Cite três músicas de seus dois álbuns, "Carvão" e "Isolamento Musicado", que estão no show e as descreva-as musicalmente.

Vamos lá. Destaco a música que dá título ao meu primeiro disco, a faixa "Carvão". Nesta faixa, o ouvinte se depara com uma introdução mais frenética, seguida de uma melodia principal no tema com a base rítmica e melódica desdobrada. Após o improviso, ouviremos essa mesma melodia com a base dobrada e um arranjo entre mão esquerda, linhas graves do baixo e bumbo da bateria. De início é uma toada e na reexposição, um baião dobrado. Acredito ser uma das características das minhas composições. Na faixa "Tema para Ariano Suassuna", destaque para as duas baterias tocadas por este que vos fala e o meu maior ídolo musical, o Nenê Baterista. Cada um faz um "chorus" nos improvisos de baixo e piano elétrico Rhodes. Do álbum "Isolamento Musicado" destaco a faixa "Oração Onírica. Ela nasceu de um sonho em que a harmonia veio inteira, de forma completa com as "cores" harmônicas a serem dedilhadas pelo meu instrumento harmônico, o violão. A melodia foi mais trabalhosa. Tive que fazer uma aula com o grande guitarrista Fernando Corrêa e o parceiro, tão grande quanto, Fabio Leal para, ao explorar as possibilidades de sequências melódicas nos acordes, essas notas pudessem suscitar na minha mente e assim para o computador. "Reforma Áurea" é uma faixa interessante e fala diretamente com parte dessa conversa nossa. O Hermeto Pascoal desenvolveu um conceito chamado de Música da Aura. São melodias extraídas de falas do cotidiano que, colocadas em uma harmonia, formam uma canção quase imperceptível na sua forma primária, ou seja, somente textual. No meu caso, estávamos Camila e eu reformando nosso apartamento e minha parceira, musical como é devido a sua curiosidade e densidade cultural, me envia um áudio falando sobre algumas obrigações logísticas com a obra, de forma musicada. Ah, não pensei duas vezes: tratei de colocar a harmonia e a rítmica nessa fala, resultando numa canção engraçada, interessante e envolvente. Vale a pena conferir.

Você faz parte de um trio, com o pianista André Marques e o baixista Marcel Bottaro, que está lançando o álbum "Tempo de Criança", gravado em Lyon, na França. Conte sobre essa experiência.

Olha, esse mês de dezembro para mim está muito atípico, por conta dos vários shows que estão a acontecer, seja com minhas composições próprias, seja em trabalhos de amigos e irmãos de som, a exemplo do André Marques. Aliás, essa temporada de dezembro de 2022 a dezembro de 2023 foi de muita música autoral. Além de Hermeto e o André, teve também o Alec Corea, na Suíça (com a participação do saxofonista Will Wilson), Rubem Farias na Suécia, workshops de bateria de escola de samba, em Paris e Estocolmo, e com Amaro Freitas, em turnê pelo Brasil, com seu álbum "Sankofa". Voltando ao André Marques, em janeiro de 2023, fizemos uma turnê que percorreu três países: Suíça, Alemanha e França. Essa turnê foi aquela da história acima, da mala extraviada. Pois bem, instalado em Lyon, na casa do baixista do grupo e amigo de velha data Marcel Bottaro, tivemos a facilidade de gravar no ToopTee Studio, de Pierre Baudinat, tendo todas as faixas gravadas em áudio e vídeo. O resultado está disponível a partir do dia 8 de dezembro, em todas as plataformas de streaming e vídeos, no YouTube, e na página do pianista, que, entre seus 20 trabalhos autorais, é dono do posto de pianista do Hermeto há 30 anos. O álbum tem faixas autorais e releituras como "Toda Menina Baiana", de Gilberto Gil, ou "Primavera", de Carlos Lira.

Há shows agendados para o lançamento de "Tempo de Criança"? Quando e onde?

Sim, no dia 13 de dezembro, no Sesc Bauru, e no dia 16 de dezembro, no Sesc Campinas.

O que as pessoas devem ter em mente quando forem ao seu show, nesta terça-feira?

Um show de melodias, rítmicas e harmônicas suscitadas da cabeça de um baterista, compositor, professor há mais de duas décadas no Conservatório de Tatuí, julgador e coordenador do quesito bateria dos carnavais de São Paulo, Rio de Janeiro e Uruguaiana, side man de tantos ótimos artistas nacionais e internacionais em 29 anos de carreira. Nesse caldeirão de experiências musicais, acrescenta-se as muitas trocas com culturas nacionais e dos 13 países que eu passei, da América Latina até Japão, Índia e Rússia, alicerçado pelos estudos socioculturais e musicais na Fundação das Artes, Conservatório de Tatuí e graduação em pedagogia. O resultado é um olhar profundo sobre as características de cada manifestação artística em forma de música na intenção de (re)vivenciar pesquisas e andanças pelo mundo. Um verdadeiro passeio cultural.

SHOW RODRIGO DIGÃO TRIO E CONVIDADOS

ARTISTAS Rodrigo Digão Braz (composições, bateria), Jackson Silva (baixo) e Oscar Aldama (piano), além das participações especiais de Henrique Albino, no sax, e André Juarez, no vibrafone.

QUANDO Terça-feira (12), a casa abre às 19h

ONDE Alma, r. Simão Álvares, 923 Pinheiros, São Paulo, tel. (11) 97675 0513

QUANTO R$ 30

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