Na Corrida

Pé na estrada, mesmo quando não há estrada

Na Corrida - Rodrigo Flores
Rodrigo Flores
Descrição de chapéu atletismo

Existe um jeito certo de correr?

Mestre em biomecânica explica a diferença entre o que é característica e o que é erro

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Rodrigo Flores
São Paulo (SP)

Quando corro, sem perceber, eu cerro os punhos e levanto meus dois polegares, fazendo um sinal de positivo. Eu nunca tinha notado essa mania até ser alertado pelo meu filho. Desde então, sempre que me vê nos treinos, ele faz um joinha para mim, e dá uma gargalhada. Para ele, eu sou praticamente um meme ambulante.

Eu não estou sozinho nessa. Uma amiga conta como sua tia reproduz o jeito "destrambelhado" dela correr nas festas de fim de ano. A imitação tornou-se um clássico do Natal, e rende risadas da família toda.

Meu joinha pode divertir o meu filho, mas ele não prejudica a minha corrida. O fato é que cada um de nós tem um jeito próprio de mover os braços, posicionar o tronco, saltar e tocar o chão. Mas, partindo desse ponto, surge a questão. Existe um jeito certo de correr?

Para responder essa pergunta, procurei a Raquel Castanharo, corredora, fisioterapeuta e mestre em biomecânica pela USP. "É preciso separar o que é característica e o que é erro", explica Raquel. Entre o que ela define como características estão a forma de mover os braços, o tipo de pisada e outros tantos movimentos que são indevidamente apontados como problemas. "Pode cruzar os braços na frente do tronco? Pode. É um problema ter pisada pronada ou supinada? Não".

O que é errado?

Raquel explica que erro é aquilo que prejudica ou que faz o atleta correr mais devagar. Segundo evidências científicas, há dois erros principais. Um é o aumento brusco no volume de treinos, submetendo o corpo a uma carga superior ao que ele está preparado. Aqui estamos falando de quantidade, e não da mecânica do corredor durante a corrida.

Segundo a Raquel, o outro erro comum é não absorver adequadamente o impacto ao tocar o solo. A corrida é uma série de pequenos saltos para frente, que tiram o atleta, em média, 10 centímetros do solo. Ao aterrissar, nossa estrutura muscular e esquelética é submetida a uma carga equivalente a até três vezes o nosso peso. Nossas pernas então funcionam como molas, que amortecem esse impacto.

Queniana Brigid Kosgei tem estilo próprio de corrida e é uma das melhores maratonistas do mundo - Pool via REUTERS

Se a passada é fluida e natural, o processo de absorção do impacto é mais eficiente. Sem entrar em fórmulas mirabolantes, Raquel sugere uma forma prática para ver se a absorção está sendo feita de maneira adequada. "Veja se a sua pisada faz muito barulho quando toca o chão. Compare com outros corredores. Quem tem uma passada mais ‘pesada’ geralmente tem uma mecânica pior e está mais sujeito a lesões. Nesse caso, talvez valha procurar um profissional especializado".

E não adianta colocar a culpa no tênis. O equipamento desempenha uma função secundária neste caso. A absorção de impacto é feita pelos glúteos, panturrilha, coxa e pés. Compare toda essa estrutura óssea e muscular com a sola de um tênis e veja o papel que cada um desses elementos exerce durante o deslocamento.

Calcanhar no bumbum

Existe uma obsessão em correr direito. Faça uma busca na internet e haverá uma profusão de vídeos e tutoriais sobre a forma correta de correr. Muito se fala, por exemplo, sobre encostar o calcanhar nos glúteos na terminação das passadas. "O atleta não deve se preocupar se ele não faz o movimento completo. Provavelmente isso acontece porque ele está correndo devagar. Ao aumentar a velocidade, naturalmente ele alonga a passada e a terminação do calcanhar vai se aproximar do bumbum."

Outro ponto que a Raquel esclarece _e que rendeu uma ‘quase bronca‘ a este blogueiro_ é que não dá para considerar os erros descritos acima como sendo graves. "Eles não levam necessariamente a lesões. O que acontece é um aumento na probabilidade de se ter problemas físicos. Mas se a musculatura do atleta estiver acostumada e preparada para o movimento, falar em erro para de fazer sentido."

Raquel conta o exemplo de um paciente. Segundo a cartilha médica, o estilo de corrida dele tem alto impacto, o que aumentaria as chances de lesão. Só que ele é maratonista e corre os 42 km em 2h19. Estamos falando da elite. Em mais de 10 anos de atletismo, ele nunca se lesionou. "Não faz sentido mudar a mecânica de corrida dele, sob risco de piorar os resultados que ele obtém".

A queniana Brigid Kosgei, medalha de prata nos jogos olímpicos e uma das maiores maratonistas do mundo que o diga. "É praticamente impossível encontrar uma foto dela correndo com uma postura bonita. E alguém terá coragem de dizer que ela corre mal?". Eu, que sofro para correr meus 10 km, certamente não vou criticar.

Por isso, o recado mais importante é: certo mesmo é correr, do seu jeito, com a carga compatível com o seu condicionamento físico. E se me encontrar correndo por aí, não se esqueça de fazer um joinha para mim.

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