-- Não se preocupe. Ele estaria feliz de te ver aqui.
Não sei seu nome, e já levamos meia hora juntos. Não me atrevo a perguntar.
[30 minutos antes]
--FULANO! --meu nome. Girei nos calcanhares, calçada áspera.
Me deparo com Ele. Cara alto, magro, de óculos --como eu. Exceto que ele veste uma camiseta polo azul-bebê.
Eu odeio camisas polo e odeio azul-bebê.
Em meu espírito frito pelo calor recorde de verão [há 15 anos não vemos nada assim na Espanha, incêndios levam ao fechamento de parques nacionais, quase 700 pessoas mortas em uma única semana por causas associadas às altas temperaturas] brota a intuição de uma pequena catástrofe.
E é que eu não só nunca tinha visto esse cara antes como, me olhando qual Gasparziño, tem os olhos marejados.
Seu abraço me calou antes que eu pensasse em perguntar, meu amigo, mon comrade (conotações pré-eleitoreiras por aqui), POR QUE DJIUSTO JUSTIN BIEBER AZUL-BEBÊ.
-- Nem sei por onde começar --começa. -- O Álvaro faleceu. De repente. Tô indo pro velório. Ce tem que vir. Esquece o que houve. Preciso de você lá, gostaria que viesse. Por favor.
Eu falei que faz calor? Muito. Abrasador.
Acabo de chegar na cidade depois de anos fora. Me deixo levar, sou um estrangeiro. Não sei mais se estou aqui ou lá. Caminho tropeçando ao lado do Beltrano, a calçada do Arouche não é a do Gaudí, meus bares não estão mais lá, quedê o Riviera de antigamente?, onde estão todos? Estou só?
Não, porque aparentemente eu tinha o Álvaro. E agora o --
-- Foi de repente, Fulano -- e sinaliza um edifício com letreiro prateado. Dormindo. Melhor assim. Um raio e pá-pum. Game over.
Eu assento com a cabeça, capricho na expressão grave. Ou já me emociono, sei lá. Porque faz calor. Aí, lá e aqui.
***
Para o meu primo T. e a família, que, aí de tão longe, do outro lado do Atlântico, de uma cidadezinha do interior paulista, alcançou la puerta de meu corazón emigrado com notícias tristes esta semana. Estar longe, estar perto. Que calor.
(Siga meu perfil no Instagram)
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.