Normalitas

Espanholices, maravilhas do ordinário, brotos de brócolis

Normalitas - Susana Bragatto
Susana Bragatto

As espinhas da anchova

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É uma manhã de verão infernal na portinha do Mediterrâneo espanhol e todos suamos em bicas, sem ventilador que nos salve.

Numa simpática casa de pueblo de cor mostarda, em uma esquina próxima ao mar azulgris, minha sogra catalã tem as mãos lambuzadas de azeite de oliva.

É dia de Almoço de Família, e o arroz caldoso de bogavantes (preparado com um típico parente europeu da lagosta, de sabor mais intenso) já está borbulhando no fogo.

Compenetradas, minha sogra e uma amiga ordenam um clássico aperitivo numa travessa: filés de anchovas em conserva -- o que aí no Brazel a gente também conhece como aliche, o típico peixinho da pizza homônima ;). Vão dispondo-os um a um sobre uma planície profusa de polpa de tomate ralado com azeite.

Com minha alma eternamente gringa, embora leve já anos por aqui, observo fascinada o entrelaçar de texturas, a simplicidade contundente do prato. Isso de ralar-o-tomate-e-jogar-fora o-que-sobra: um dos primeiros choques gastro-culturais que tomei ao chegar por aqui.

(disclaimer: tô falando isso, mas adoro um pa amb tomàquet)

Alguém elogia a qualidade dos peixinhos de carne tenra e escura. Montse, a amiga, explica que estes levam pelo menos uns 12 a 18 meses na salmoura pra atingirem tal ponto de excelência. E comenta algo que me chama a atenção:

-- Isso é porque vocês não provaram a coisa mais maravilhosa desse mundo: espinhas de anchovas fritas!

****

Acho interessante, saudável, sustentável; acho graça.

-- E não pinica o céu da boca? Pergunto. Não, que va!, as espinhas são super crujientes (crocantes) e saborosas, me informa.

Curiosamente, ao investigar a origem do prato, descubro que é muito mais provável topar com ele num restaurante com estrelas Michelin do que num boteco español.

Mais precisamente, as "espinas d'anxova" se popularizaram em anos mais recentes graças ao Celler de Can Roca, um dos restaurantes de vanguarda mais badalados do mundo, em Girona.

Lá, as espinhas de anchovas de L'Escala são empanadas com a farinha de arroz de Pals -- tudo oriundo da região do Empordà, "de proximitat", fresco e simples.

A receita dos irmãos Roca, por sua vez, é um guiño (homenagem) à original, criada pelo Pai-dos-Chefs-Vanguardistas catalães, Josep Mercader.

Mercader era responsável pela cozinha do mítico Hotel Empordà, por onde passaram reis, políticos e celebridades, na rota entre França e Espanha.

O restaurante do hotel também guardava mesa de honra pra um deus da crítica gastronômica casolana (caseira) mediterrânea, Josep Pla -- frequentador assíduo e um entre os muitos fãs das "raspas" de "anchoas" servidas no local.

No vídeo abaixo, o genro de Mercader, Jaume Subirós, ensina a preparar esse simples aperitivo en un moment.

Segundo ele, não é necessário nenhum acessório/molho/acompanhamento -- só servir com uma boa cava. Tudo no melhor estilo gourmet catalão: caseiro, gostoso e direto. Sem necessidade de estrela Michelin ou solenidades especiais. Bon profit!

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