Em uma atitude extrema, a Premier League decidiu colocar na geladeira Lee Mason, ex-árbitro de campo que atua como VAR ("video assistant referee", árbitro assistente de vídeo).
Para o leitor não acostumado ao vocabulário futebolístico, "ir para a geladeira" não significa entrar no eletrodoméstico e ficar lá até morrer de frio.
Quer dizer ser afastado temporariamente de uma função, devido a falha(s) na execução da mesma ou por algum comportamento inadequado.
A origem da expressão talvez possa ser explicada algum dia pelo Marcelo Duarte, que assina a coluna O Curioso nesta Folha.
O fato é que Mason, 50, não atuará na próxima rodada do Campeonato Inglês porque um apontamento seu, em Newcastle x Crystal Palace, no sábado (3), foi considerado errôneo por seus superiores.
Antes de falar do lance, é necessário informar que todo gol que possa gerar qualquer tipo de dúvida passa pelo escrutínio do VAR, que tem a função de corrigir erros claros e óbvios cometidos pelo árbitro de campo.
Essa definição (erro claro e óbvio) é importantíssima, pois é nela que está o "xis" da questão.
Com o placar em 0 a 0, que viria a ser o resultado final da partida, o Newcastle abriu a contagem por meio de um gol contra do lateral Tyrick Mitchell.
Na jogada, depois de cruzamento na área, houve uma ajeitada de cabeça e o meia Joe Willock, que vinha na corrida para finalizar, sendo perseguido por Mitchell, esbarrou no goleiro Vicente Guaita, derrubando-o. A bola bateu no atleta do Palace e parou na rede.
O árbitro Michael Salisbury não viu irregularidade e confirmou o gol, que depois ficou sob análise do VAR. Mason, ao rever o lance em vídeo, concluiu que Willock cometeu falta em Guaita e indicou isso ao colega de campo.
Esse foi o primeiro erro. Vendo-se a jogada algumas vezes, percebe-se que Willock abalroou o goleiro adversário com aquela intensidade porque Mitchell o empurrou.
Não foi um empurrão escandaloso, porém aconteceu. Mason, que não tem muito tempo para dar seu veredicto, não deve ter notado a ação de Mitchell.
O segundo erro é de responsabilidade de Salisbury, que tem a palavra final. Convidado a verificar a jogada, o árbitro de campo o fez. E também não percebeu a carga do jogador do Palace sobre o do Newcastle.
Enxergou exatamente o que Mason tinha enxergado, algo que, momentos antes, ao acompanhar o lance, ele não conseguira ver –nem o bandeirinha (auxiliar na lateral do gramado), que também pode se pronunciar caso identifique uma falta.
O lance foi muito rápido, Salisbury tinha vários atletas atrapalhando seu campo de visão, então achou por bem, primeiramente, não apitar nada e dar o gol –até porque ele tem o "conforto" do VAR, que o salvará no caso de erro claro e óbvio.
Chegamos ao terceiro, e definitivo, erro. Evidentemente essa não foi uma ocasião de erro claro e óbvio. Dessa forma, a decisão inicial tomada em campo por Salisbury deveria prevalecer. Não era o caso de intervenção do VAR.
O lance é peculiar. Mason deu azar de Mitchell ter usado o braço, em movimento de empurrão, nas costas de Willock. Se isso não tivesse ocorrido, tudo leva a crer que mesmo assim o jogador do Newcastle se chocaria com o goleiro do Palace.
Seria falta? Dependeria da interpretação do árbitro. Há uma propensão da arbitragem a proteger o goleiro no seu "habitat", a área, especialmente na pequena área.
Ali, ele seria intocável... a não ser pelo fato de não haver nada na regra que diga isso.
Desse modo, a marcação da falta do atacante torna-se subjetiva.
Há o árbitro que assinala, considerando o uso de força excessiva no contato com o oponente e/ou imprudência, e há o que não assinala, entendendo como uma disputa normal entre os adversários (corpo contra corpo).
É a subjetividade, que infelizmente está muito presente nos jogos de futebol (e não vejo como ser diferente), que causa a discussão, a dúvida, a polêmica.
A meu ver, Mason não cometeu uma falha grave, o que justificaria uma ida para a geladeira para um período de autoanálise e de reciclagem.
Mason foi uma vítima dele mesmo, por não discernir que esse tipo de ocorrência não se enquadra nas de erro claro e óbvio. E, agindo assim, deu margem para uma avalanche de críticas e sua posterior punição.
Em tempo: se o centro da discussão relacionada ao VAR passar a ser o que no futebol é um "erro claro e óbvio" (pois deveria ser claro e óbvio o que é um erro claro e óbvio), e se essa definição for baseada na subjetividade, aí não tem jeito nem conserto. Ninguém vai ter razão nunca, será como discutir o sexo dos anjos.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.