O Mundo É uma Bola

O Mundo É uma Bola - Luís Curro
Luís Curro

Usar a base e os reservas é solução para o excesso de jogos

No futebol como negócio, o número de partidas ou de competições dificilmente vai diminuir

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Questionado por jornalistas a respeito do excessivo número de partidas disputadas pelos jogadores a cada temporada, o renomado treinador Pep Guardiola, do Manchester City, afirmou que cabe aos atletas mudar essa situação.

Para o espanhol, apenas um levante organizado pelos jogadores, em ato de confronto com a cartolagem, será efetivo para reduzir a carga de trabalho a que eles se submetem.

"Não haverá mudança", disse Guardiola, que comanda o atual campeão inglês e europeu. "Só existe uma solução: se os jogadores decidirem por si próprios. Para dizer às organizações ‘parem’, é preciso mudar alguma coisa. Havendo um movimento, talvez Fifa e Uefa reajam."

O treinador do Manchester City, Pep Guardiola, coça a careca com a mão direita enquanto acompanha jogo da Champions League contra o Estrela Vermelha, na Inglaterra
O treinador do Manchester City, Pep Guardiola, acompanha jogo da Champions League contra o Estrela Vermelha, na Inglaterra - Oli Scarff - 19.set.2023/AFP

Concordo que a redução das partidas não acontecerá se depender das entidades que comandam, respectivamente, o futebol mundial (Fifa) e o futebol europeu (Uefa). E nem de qualquer outra entidade, em qualquer lugar do mundo.

Futebol é hoje, mais do que nunca, negócio, e negócio almeja fazer dinheiro. A paixão há muito ficou em segundo plano para quase todos os participantes do esporte –restam os torcedores, esses abnegados.

Patrocinadores negociam com federações e clubes e dão nomes a competições, a estádios, põem suas marcas em publicidade nas arenas, nos uniformes dos jogadores.

Investem alto e querem retorno. Quanto mais partidas, mais exposição, maior chance de satisfação dessas empresas e de elas, assim, renovarem os contratos.

Meios de comunicação negociam com federações e clubes e adquirem os direitos de transmissão dos eventos.

Investem alto e querem retorno. Retorno via audiência, pois esta resulta em interesse de anunciantes, que são quem paga a conta. E, quanto mais partidas, mais chance de os anúncios serem veiculados e de quem pagou ficar satisfeito e, assim, continuar pagando.

Guardiola foca nos organizadores dos torneios, porém se esquece de que os clubes também têm interesse em ampliar o número de partidas.

Afora a receita acertada com patrocinadores e com a mídia, há as entradas financeiras de bilheteria (venda de ingressos, por jogo ou por pacote de jogos), venda de produtos (camisas, bonés, flâmulas, chaveiros, mascotinhos etc.), de comes e bebes nos estádios.

Os jogadores, já que sem eles não há como realizar as partidas, se unirem para confrontar o atual sistema, entrando por exemplo em greve, pode ser uma forma de chamar a atenção de quem está acima deles e obter resultado.

Precisaria acontecer para saber a consequência, mas a categoria é historicamente desunida, e uma paralisação é quase utopia.

Além disso, como frisa Guardiola, existe uma falta de coerência dos próprios futebolistas: "Eles reclamam quando jogam sempre, mas, quando não jogam uma partida, também reclamam".

Quase todo jogador é fominha, quer estar sempre em campo, pois gosta do que faz e não quer ficar só olhando. Há algumas exceções, os chamados "chinelinhos", aqueles suspeitos de fazer corpo mole, que vivem "lesionados", ou seja, usando mais chinelos do que chuteiras.

A verdade é que o calendário do futebol tende a ter cada vez mais, e não menos, jogos por temporada. A Champions League terá mais partidas, a Copa do Mundo terá mais partidas. A Uefa instaurou em 2021 um interclubes extra, a Liga Conferência.

Aleksander Ceferin, presidente da Uefa, concede entrevista, com microfones à sua frente, em evento no Chipre
Aleksander Ceferin, presidente da Uefa, em evento no Chipre; entidade ampliará número de partidas da Champions League de 125 para 189 - Yiannis Kourtoglou - 26.set.2023/Reuters

Nesse cenário, há times, e consequentemente jogadores desses times, que algumas vezes farão mais jogos.

Reduzir campeonatos, e consequentemente o número de partidas a que times e atletas se sujeitam, não vai ocorrer. Não há nada que indique para isso.

Contudo a solução existe, e está nas mãos de Guardiola e dos demais treinadores, contando logicamente com a anuência dos dirigentes dos clubes.

Basta estabelecer um limite de partidas para cada jogador por temporada, independentemente da quantidade de confrontos que o time venha a realizar.

Para a saúde física e mental do atleta, ele estará limitado a quatro partidas por mês. Se jogar 10 a 11 meses por ano, são 40 a 44 jogos, o que não parece excessivo –na temporada 2022/2023, o Manchester City entrou em campo 65 vezes, de 20 de julho a 10 de junho–, até porque pode ser substituído em alguns ou entrar somente no decorrer de outros.

Mas essa quantia de partidas teria que valer para todos os jogadores, em todo o mundo. Virar regra, em um grande acordo coletivo. Lei trabalhista.

Nos demais jogos, e isso exige planejamento da comissão técnica, atuam os reservas e/ou os melhores das categorias de base, dando chance a esses de ganhar experiência e de exibir suas qualidades –vai que surge um novo craque.

Ah!, mas tem os torcedores. Torcedor paga caro e não quer ir ao estádio para ver os suplentes ou os novatos, quer sempre ver os grandes nomes, os craques, os ídolos.

Só que a aceitação dos torcedores, com todo respeito a eles (sem os quais o espetáculo fica chocho), não conta. Torcedor não apita nada, nunca apitou e não o vejo apitando.

Vida de torcedor é de sofrimento, de reclamação, de resignação e, em certas ocasiões (raras para a maioria), de alegria.

Torcida à parte, jeito para o excesso de jogos tem. O que não se tem é disposição para dar um jeito. E aí não tem jeito.

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