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Um olhar brasileiro sobre Portugal

Imigrantes em Portugal sentem discriminação no acesso à habitação, diz pesquisa

Comentários xenofóbicos e exigência de vários meses de depósito estão na lista de problemas

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Lisboa

Uma nova pesquisa — divulgada pela Casa do Brasil de Lisboa, organização de apoio à comunidade brasileira — indica que a maior parte dos imigrantes considera já ter sofrido discriminação no acesso à habitação em Portugal.

O levantamento, feito através de um questionário pela internet, considerou respostas de 230 estrangeiros residentes no país europeu. Entre as pessoas que participaram da sondagem, 90,4% consideram já ter sofrido alguma situação discriminatória na habitação.

O preconceito no aluguel de imóveis aparece na liderança das situações de discriminação, respondendo por cerca de 45% dos relatos dos participantes.

Pessoa caminha entre os prédios de Lisboa, capital de Portugal. Imagem mostra apenas a sombra de um homem. Ao fundo, um prédio maior, de cor bege. O céu está azul
Pessoa caminha entre os prédios de Lisboa, capital de Portugal, onde nova pesquisa indica que imigrantes sentem discriminação no acesso à habitação - Pedro Nunes 21.mar.23/Reuters

Muitos brasileiros detalham que as dificuldades começam já no primeiro contato, quando os responsáveis pelos imóveis identificam o sotaque e as expressões do português do Brasil.

Embora a legislação portuguesa estabeleça que os proprietários não possam exigir mais de dois meses de aluguel como depósito, na prática, os imigrantes detalham diversos episódios em que esses limites não são respeitados.

Um dos participantes da pesquisa conta que um senhorio exigiu 10 meses antecipados de aluguel apenas para a caução do imóvel.

Brasileiros que responderam ao levantamento também descrevem situações em que, ao ligarem pedindo informações sobre algum imóvel, eram informados de que ele já havia sido alugado. No entanto, quando alguém com sotaque português telefonava para os mesmos anúncios pouco tempo depois, recebia a indicação de que a propriedade continuava disponível no mercado.

"Você liga para as imobiliárias sobre anúncios recém-postados e pelo sotaque brasileiro já logo dizem que alugaram ou já estavam com uma fila muito grande para visitar", indica um dos relatos publicados.

Vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa, a cientista política Ana Paula Costa considera que o acesso à habitação digna é hoje uma das maiores dificuldades enfrentadas pelos estrangeiros em Portugal.

Segundo ela, a elevada percepção de discriminação entre os migrantes já era de certa forma esperada, uma vez que essas situações costumam ser relatadas com frequência nos atendimentos do gabinete de apoio jurídico da organização. A dimensão do problema, contudo, surpreendeu.

"A situação do acesso à habitação em Portugal vem se deteriorando muito rapidamente, inclusive neste último ano. As respostas foram colhidas entre abril e julho. Se fizéssemos outro agora, acho que seria ainda pior", considera.

A cientista política Ana Paula Costa, vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa. Ela é uma mulher negra e jovem, de cabelos lisos, que sorri para a câmera. Ela está sentada em uma cadeira em frente a uma estante repleta de livros
A cientista política Ana Paula Costa, vice-presidente da Casa do Brasil de Lisboa - Giuliana Miranda 18.mai.22/Folhapress

Com preços em alta e escassez de ofertas no mercado, Portugal vive uma crise habitacional sem precedentes. Nesse cenário, os imigrantes aparecem em particular situação de vulnerabilidade, sobretudo aqueles com documentação ainda irregular.

Mesmo quando essas pessoas conseguem alugar uma casa, muitas vezes as locações são feitas "com insegurança jurídica, sem contrato de aluguel e, não raro, em condições degradantes e utilizando da condição de irregularidade como chantagem ou com mais exigências", segundo o relatório que acompanha a pesquisa.

Uma das responsáveis pelo trabalho, Ana Paula Costa reconhece algumas das limitações da amostra, que ficou largamente concentrada em mulheres (74,4%), pessoas brancas (71,2%) e com ensino superior completo (73,5%).

"A pesquisa é feita pela internet, e isso traz limitações. O que nós percebemos é que as pessoas migrantes com mais baixa escolaridade geralmente estão ocupando os piores postos de trabalho. Acordam muito cedo, voltam para casa muito tarde. Tem muita carga da exploração laboral e de outros problemas da vida, então não resta muito tempo para responder a um inquérito desse tipo."

"Nós fazemos também a reflexão sobre como ampliar a difusão da pesquisa. Acho que, a cada ano, estamos melhorando", completou.

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