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Pitaco Cultural - Mariana Agunzi
Mariana Agunzi

Jovem que sofre acidente e pede o direito de morrer guia espetáculo 'Amadeo'

Baseada em história real, peça em SP traz temas como empatia, aceitação e suicídio assistido ao centro do teatro de arena

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São Paulo

"Ninguém aprende a sofrer. Acontece."

O lamento da personagem Verônica, interpretada pela atriz Chris Couto, sintetiza a profusão de sentimentos que guiam a peça "Amadeo", recém-chegada ao Tucarena, em São Paulo, e dirigida por Nelson Baskerville.

O texto do autor francês Côme de Bellescize tem como inspiração a história real de Vincent Humbert, jovem que sofreu um acidente de carro na França, no ano 2000, e acabou com o corpo totalmente paralisado. Sua única forma de comunicação, ainda que precária, se tornou o polegar direito, o qual conseguia pressionar levemente.

Chris Couto limpa o rosto de Thalles Cabral, que está deitado em uma cama de hospital
Chris Couto e Thalles Cabral em cena de 'Amadeo', no Tucarena - Gal Oppido

"Assisti à peça em Paris, em 2012, e quando saí nem conseguia falar. Precisei de uns 15 minutos para me recompor", conta a atriz Janaína Suaudeau, que integra o elenco e que foi responsável por traduzir e trazer a montagem ao Brasil. "Meu avô paterno ficou 16 anos tetraplégico, então, na nossa família, esse assunto é muito bem falado", conta ela.

Juntam-se a Janaína os atores César Mello, Chris Couto, Cláudia Missura, Thomas Huszar e Thalles Cabral, da série "As Five", que dá vida ao protagonista.

Na peça, Amadeo é um garoto de 19 anos que sonha em ser piloto da Fórmula 1, mas acaba se envolvendo em um grave acidente de carro. Após acordar do coma, descobre que está imóvel e passa, então, a falar com seu amigo imaginário, uma espécie de extensão de sua consciência, e que sempre o provoca –referência a "Fim de Partida", de Samuel Beckett.

Quando a dimensão de que está aprisionado a um corpo que não pode ter mais nenhuma reação toma forma, o sofrimento se torna maior do que a redenção, e Amadeo pede ajuda da mãe para poder morrer.

"O grande desafio surgiu quando fomos para o primeiro ensaio. As cenas da imobilidade do Amadeo me pegaram muito, não nos damos conta de como mexemos muitos músculos", conta Thalles Cabral, que teve a ajuda de profissionais e pacientes da AACD (Associação de Assistência à Criança Deficiente) para compor o personagem.

"Quando Nelson [Baskerville] me falou sobre a premissa eu achei super interessante, mas não tinha opinião e nem repertório para opinar sobre [a eutanásia]. O Brasil tem essa mania de não falar sobre os assuntos-tabu", ressalta o ator.

DIREITO DE MORRER

Encenada no teatro de arena, "Amadeo" leva para perto dos espectadores o contraponto entre o desejo individual do jovem convalescente e o das pessoas que o cercam, representadas pela namorada, pelo melhor amigo e pelo bombeiro que o retirou dos escombros após o acidente de carro.

Cabe, portanto, à mãe se tornar a balança. Ela pesa entre a própria dor de ver o filho degenerar em uma cama e a força de ser a única pessoa a dar voz e lutar pelo desejo do garoto morrer dignamente.

"Eu nunca tinha pensado sobre a eutanásia. Não tinha uma opinião, mas concordo quando a mãe do Amadeo diz que 'ninguém aprende a sofrer’. Como você vai lidar com isso é uma coisa muito pessoal, e acho que eu agiria da mesma forma", afirma Chris Couto.

"Foi graças à luta dessa mãe e à forma como o assunto foi midiatizado que os cuidados paliativos ganharam luz na França. E a peça tem o cuidado de dar voz à todos; à namorada que pede para ele ficar, à mãe que se coloca no lugar do filho, aos amigos que querem estar por perto", ressalta Janaína Suaudeau. "É um jeito de chegar às pessoas que talvez não estejam abertas e falar sobre isso."

*

Amadeo. Tucarena. Rua Bartira, 347, Perdizes, São Paulo. Sextas e sábados, às 20h30. Domingos, às 18h. Até 28/5. Ingressos: R$ 100 (inteira), via sympla.com.br.

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