A alocação do tempo entre ofertar trabalho, afazeres domésticos e cuidados é uma escolha que depende da dinâmica familiar e do acordo estabelecido entre os cônjuges.
Considerando o casamento heterossexual, o que observamos é que essa divisão vem mudando ao longo do tempo, inclusive com uma maior participação de mulheres casadas no mercado de trabalho.
Entre os fatores que estão ligados a essa mudança está a descoberta e popularização dos contraceptivos a partir da década de 1960. As mulheres puderam iniciar sua vida sexual antes do casamento, ingressar nas universidades e postergar o casamento.
Além disso, puderam decidir sobre o número de filhos e ter mais tempo livre. Não à toa que hoje no Brasil, e em diversos países, as mulheres, em média, têm mais anos de escolaridade que os homens.
A formação dos casais considerando a família tradicional de décadas atrás seguia um padrão diferente do que vemos hoje. O homem era o provedor enquanto a mulher cuidava do lar e das crianças.
Hoje em dia, também no Brasil, esse tipo de arranjo mudou. Temos muitas mulheres chefes de família e em vários lares, ambos os cônjuges trabalham, sem deixar de citar o aumento das famílias monoparentais, estendidas e casais homoafetivos.
Além disso, a maior oferta e acesso a creches e escolas entra no grupo de serviços que liberara tempo relativo aos cuidados. O avanço tecnológico com a criação e aperfeiçoamento de aparelhos como aspiradores de pó, máquinas de lavar e secar roupas e lava-louças, entre outros, permitiram a redução da alocação do tempo em afazeres domésticos.
Essa melhora tecnológica e sua maior aquisição pela população parece ter beneficiado mais as mulheres. Observando os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (IBGE) de 2001 e 2019 o tempo médio gasto das mulheres adultas em afazeres e cuidados diminuiu de 28,8 horas para 20,6 enquanto as dos homens subiu de 5 para 9 horas.
Esses números nos remetem a questão de normas sociais. Houve mudanças, porém, o trabalho não-pago de afazeres e cuidados recai ainda muito mais sobre as mulheres.
É um trabalho importante que gera benefícios para além da família, porém repetitivo, cansativo e pouco valorizado. Gera benefícios para toda a sociedade na medida em que, no caso de cuidados com os filhos, crianças bem alimentadas e cuidadas serão melhores cidadãos e trabalhadores mais produtivos no futuro.
Ademais, a maior igualdade na divisão desses trabalhos entre cônjuges permitiria às mulheres ofertar mais trabalho e optar por ocupações que demandem mais horas de trabalho e com maior remuneração. Hoje, muitas mulheres acabam optando por trabalhos com rotinas de horários mais flexíveis mesmo que estes paguem menos.
É preciso discutir políticas públicas que valorizem o trabalho doméstico e de cuidados e que liberem mais o tempo das mulheres.
Nesse sentido, é importante focar não só no aumento do número de creches e escolas de qualidade e de tempo integral, mas também em políticas que enfrentam resistências com relação às normas sociais vigentes, como a substituição da licença maternidade pela parental, atividades que promovam e ensinem as pessoas de diferentes gerações que trabalho doméstico e de cuidados é de todos.
Os benefícios para a sociedade são vários: aumento da força de trabalho, redução das desigualdades de gênero e de raça observadas no mercado de trabalho, redução das desigualdades entre e dentro das famílias e maior crescimento econômico.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida foi "Família", do Titãs.
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