Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

Técnicas moleculares para rápida detecção de vírus são o caminho para prevenir pandemias

Baixa testagem molecular e lentidão no sequenciamento genômico viral permitem avanço silencioso de novos agentes infecciosos

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Anderson Brito

Biólogo pela UnB, mestre em Microbiologia pela USP, doutor em Biologia Computacional pelo Imperial College London (Reino Unido), com pós-doutorado pela Escola de Saúde Pública da Yale University (EUA). É pesquisador científico do Instituto Todos pela Saúde (ITpS)

No fim de 2013, um novo vírus chegava ao Brasil: o "vírus X". Tratava-se de um vírus aparentado aos "vírus A" e "B", que já circulavam no país. Os sintomas causados por ele se assemelhavam aos do "vírus A" e, por isso, casos da "doença X" foram reportados como sendo da "doença A". Por mais de um ano, o "vírus X" circulou silenciosamente. Até que sinais alarmantes chamaram a atenção de profissionais de saúde: grávidas supostamente infectadas com o "vírus A" deram à luz a crianças com malformações congênitas.

O padrão incomum levantou a suspeita de que não estávamos diante do já conhecido "vírus A", mas sim de outro. Após testes moleculares e sequenciamentos genéticos, em meados de 2015 o "vírus X" foi identificado.

O "vírus X" em questão era o vírus da zika. Ele se disseminou por mais de um ano sem ser monitorado, e grande parte dos casos da doença foram erroneamente identificados como dengue (referida acima como "doença A"). Após a descoberta, grandes mobilizações foram feitas na tentativa de controlar a disseminação da zika, mas o estrago maior já havia ocorrido. O cenário descrito, bastante vívido nas nossas lembranças, poderia ter sido evitado com um rápido e robusto sistema de vigilância genômica.

O biólogo Anderson F. Brito é pesquisador científico do Instituto Todos pela Saúde, com sede em São Paulo
O biólogo Anderson F. Brito é pesquisador científico do Instituto Todos pela Saúde, com sede em São Paulo - Divulgação

Na pandemia de Covid-19, testes RT-PCR e testes rápidos de antígeno mostraram-se importantes para detecção, monitoramento e controle de doenças infecciosas. Mas o amplo uso dessas ferramentas é recente. Até 2019, pouco mais de 30% dos casos de arboviroses e de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) tinham diagnóstico molecular conclusivo. A baixa testagem facilitou a disseminação do zika vírus entre 2014 e 2015.

O sequenciamento genômico do Sars-CoV-2 colocou o conceito de "variantes virais" no centro das discussões em saúde pública. Na realidade, qualquer vírus gera variantes genéticas, mas pouco sabemos sobre os impactos das mutações de outros agentes infecciosos. O sequenciamento viral em tempo real nos traria informações relevantes à tomada de decisões no âmbito da saúde pública, em especial frente a variantes mais transmissíveis, evasivas ou patogênicas.

Os desafios inerentes à descoberta de um novo "vírus X" são enormes. Nesse sentido, ter excelência na rápida detecção dos vírus que já conhecemos é essencial, pois serve de alicerce para evitar futuras pandemias. Candidatos a novos vírus pandêmicos já existem e circulam em populações animais, em especial em regiões que têm alta diversidade biológica e populações humanas em contato constante com animais selvagens, como na Amazônia. Nesse contexto, a metagenômica é uma ferramenta essencial: ela permite o sequenciamento genético inespecífico e em larga escala de amostras suspeitas e de composição indefinida. A técnica foi utilizada, por exemplo, para detectar pela primeira vez o vírus da Covid-19, e serviu de base para o desenvolvimento de testes diagnósticos e protocolos de sequenciamento mais específicos.

Monitorar os vírus já conhecidos, identificar suas variantes genéticas e detectar a presença de agentes infecciosos ainda desconhecidos são tarefas cruciais para se controlar epidemias e evitar novas pandemias. Para tanto, é essencial investir em tecnologias de diagnóstico e sequenciamento, assim como na capacitação de profissionais para a rápida geração e análise de dados. Dada a importância do Brasil para a saúde global, é fundamental que o país conte com um forte sistema nacional de vigilância, tendo como base o diagnóstico molecular e o sequenciamento genômico.

O editor Michael França pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Anderson F. Brito foi "Palmares 1999", de Natiruts.

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