Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

Somos parte de uma estrutura social e emocional que apoia ou dificulta a aprendizagem

Percepções acadêmicas e sociais que os estudantes têm sobre si podem influenciar interações em sala de aula e o desempenho acadêmico

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Francielle dos Santos

É gerente pedagógica no Instituto Canoa, com experiência em temas do currículo relacionado ao trabalho em grupo em salas de aula heterogêneas, ensino centrado no estudante e equidade

Quando você estava na educação básica, você era considerado "inteligente", "na média" ou "péssimo" em matemática? Como você chegou a essa conclusão?

No meu primeiro ano como professora de matemática em uma escola da rede pública, havia um estudante, do sexto ano, que sempre se sentava no fundo da classe. Enquanto o restante da turma trabalhava nas atividades, ele ficava no canto da sala com a cabeça apoiada sobre a carteira.

Toda vez que eu o via naquela posição eu pensava que seria por desinteresse dele, mas quando me dispus a perguntar a ele o motivo por trás daquela atitude, a resposta foi: "porque sou burro".

Essa não é uma história atípica. Esse tipo de atitude pode ser erroneamente interpretado, com frequência presumindo-se tratar-se de desinteresse, timidez ou problemas de comportamento.

Francielle é uma mulher negra de cabelos e olhos escuros. Na imagem, ela veste um blazer e uma camisa estampada
Francielle dos Santos é uma professora de matemática irremediavelmente esperançosa. Atualmente é gerente pedagógica no Instituto Canoa, com experiência com temas do currículo relacionado ao Trabalho em Grupo em salas de aula heterogêneas, Ensino Centrado no Estudante e Equidade. Também atua na área pedagógica da Escola Comum - Divulgação

As percepções construídas na microssociedade escolar sobre "quem é bom em quê" são muito fortes e estabelecem relações hierárquicas (status) associadas a expectativas acadêmicas e sociais.

Resultados de mais de duas décadas de pesquisa de Elizabeth Cohen e Rachel Lotan, da Universidade de Stanford, alguns deles compilados no livro "Working for Equity in Heterogeneous Classrooms", sustentam que estudantes que participam mais, aprendem mais em sala de aula.

Sendo assim, a desigualdade nos níveis de participação amplia as diferenças de aprendizagem. Além disso, quando os alunos duvidam de suas habilidades intelectuais, eles normalmente agem de duas maneiras: se escondem e tentam passar despercebidos ou evitam uma situação em que possam não ter sucesso e serem vistos como "inferiores" novamente.

Outros estudos indicam que as percepções que os estudantes constroem sobre sua própria competência intelectual, bem como a de seus colegas, estão conectadas não apenas ao desempenho acadêmico e popularidade, mas também às características socioeconômicas, raciais e de gênero.

No artigo "A Threat in the Air: How Stereotypes Shape Intellectual Identity and Performance", Claude Steele aborda a questão da "ameaça de estereótipo", que é a experiência de ansiedade ou preocupação causada por situações em que uma pessoa tem a possibilidade de confirmar um estereótipo negativo sobre um grupo social ao qual pertence.

Os resultados apresentados indicam que a ameaça de estereótipo pode ter um impacto negativo no desempenho dos estudantes. Por exemplo, quando estudantes negros estão prestes a realizar uma prova e, por algum motivo, são expostos aos estereótipos de habilidades intelectuais negativas associados ao seu grupo antes da realização da prova, seu desempenho tende a ser prejudicado. Esse efeito negativo é observado mesmo entre estudantes universitários com histórico de altos resultados acadêmicos.

Constantemente reflito sobre as minhas experiências como professora. Como eu poderia agir intencionalmente na construção de uma sala de aula em que meus estudantes se sentissem seguros e confiantes para aprender?

Apesar de não existirem receitas mágicas quando falamos de educação, a literatura nos apresenta indícios de que é possível organizar salas de aula para reduzir desigualdades educacionais. Nessas salas de aula, professores planejam as atividades e o ambiente para incentivar a participação de todos e constantemente reconhecem publicamente as contribuições intelectuais de seus estudantes ressaltando seus pontos fortes.

Os estudantes, por sua vez, têm muitas oportunidades para se reconhecerem como "inteligentes", demonstrarem o que sabem, compartilharem suas ideias, explorarem seus erros e se sentirem ouvidos e valorizados.

Obviamente, como professora, sei que organizar a sala de aula que citei anteriormente não é coisa simples. Certamente são necessários recursos, condições e formação adequadas, mas precisamos iniciar esse diálogo: quando você estava na educação básica, o que na sua sala de aula e nas suas interações ajudou ou dificultou a sua aprendizagem?

Quando eu fui aluna, eu queria ter conseguido levantar a mão e fazer as perguntas que eu tinha e não fiz porque achava que seriam bobas demais, ou ter compartilhado uma ideia que ignorei por não me achar suficiente, me sentir ouvida e ter mais certezas do que dúvidas sobre as minhas potencialidades. Este também é meu desejo para todos os estudantes.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Neste texto, a escolhida por Francielle Santos foi "Asas", de Luedji Luna.

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