Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

No mercado do funk, tem espaço para todos os sonhos dos jovens negros e periféricos?

Apesar dos avanços e da expansão do funk nos últimos anos, a máxima "música negra, negócio branco" ainda é vigente no mercado

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Wellison Freire

É administrador público, gestor cultural e co-fundador e diretor-executivo da Nebulosa Selo

Thaynah Gutierrez

É da administração pública, trabalha com direitos humanos e educação popular

É sabido que o funk tem alcançado números, e estruturas cada vez maiores no cenário local e também globalmente. Nós que somos parte dessa cultura, e que reconhecemos a importância do funk na nossa construção enquanto pessoas negras e periféricas, celebramos esse feito e até nos sentimos parte dessas vitórias.

Porém, na disputa do imaginário social nos perguntamos sempre: hoje, no mercado do funk e da música em geral, tem espaço para todos os sonhos dos jovens negros e periféricos? Já temos evidências suficientes para dizer que boa parte do que se tornou difundido enquanto cultura brasileira popular parte das ancestralidades negras, indígenas, quilombolas e tradicionais. Porém o mercado cultural que dissemina e capitaliza essas culturas não necessariamente reflete seus ouvintes e seus idealizadores(as), na verdade têm refletido em muito as desigualdades presentes em uma sociedade estruturalmente racista, algo que a socióloga Ana Maria Rodrigues vai chamar de espoliação branca das culturas negras.

A imagem à esq. mostra Wellinson, um homem negro de cabelos pretos e cavanhaque. Ele veste um moletom branco. A imagem à direita mostra Thaynah, uma mulher negra de cabelos cacheados, que usa óculos de grau com haste transparente. Ela veste uma blusa de gola alta. Ambas as fotos estão em preto e branco.
Wellison Freire, 27, é nascido e criado no Jardim Apurá, na capital paulista. Administrador público e gestor cultural de projetos independentes no campo da música, cinema e literatura. Co-fundador e diretor executivo da Nebulosa Selo. Thaynah Gutierrez, 24, de candomblé e da administração pública. Trabalha com direitos humanos e educação popular. Acredita no funk como presente ancestral da música negra - Divulgação

Apesar dos avanços e da expansão do funk nos últimos anos, a máxima "música negra, negócio branco" ainda é vigente no mercado. Para criação de uma indústria democrática e acessível, é fundamental a formação e criação de oportunidades para que profissionais diversos possam construir carreira, consolidando novas possibilidades e outras expertises que hoje, se concentram nas mãos de pessoas, majoritariamente brancas.

Desde 2018, construímos a Nebulosa Selo, uma produtora e gravadora independente, que visa impulsionar jovens artistas e profissionais da cultura negres e periféricos em São Paulo, desenvolvendo através do funk e outras escolas musicais, possibilidades de atuar no mercado cultural. Como aprendizado dos últimos anos, permanece ainda o desafio da sobrevivência enquanto negócio cultural, que passa desde a geração de renda para esses profissionais até uma construção de carreira rentável dentro da arte, sem estabelecer uma métrica que sufoca e foge da realidade do setor no país.

A jornada dupla, a eterna busca pelo "sucesso", o cansaço físico e mental, e até mesmo a fome, infelizmente ainda são situações corriqueiras na vida dos profissionais da cultura. O verso "Viva esse sonho até que ele te adoeça", cantado por Victor Xamã no seu último disco "Garcia", é um resumo de como esse mercado pode se tornar uma máquina nociva para os seus profissionais.

Antes da discussão ou rivalidade entre o mainstream e o underground, ainda existem assuntos bem mais relevantes, como as vulnerabilidades econômicas e sociais, a frustração e o adoecimento de uma parcela de pessoas que são potências para o desenvolvimento do país. Em um mercado em que a estabilidade e a rentabilidade financeira estão conectadas com uma régua de sucesso desregulada, a inovação e o crescimento acabam sendo amarrados pela necessidade de bancar as "contas do próximo mês", que em resumo, é a luta constante em manter as necessidades básicas, como a própria moradia e alimentação, de pé.

Enquanto administradores públicos envolvidos diretamente na cultura do funk e na música preta em geral, pensamos que os caminhos de soluções para corrigir as desigualdades desse mercado passam pela regulação a partir das políticas públicas contínuas e interseccionais. É necessário que editais de fomento e às produções independentes sejam acompanhadas de um arranjo de políticas que atendam as demandas de profissionalização de novos mercados culturais, garantindo que nenhum jovem profissional da cultura fique vulnerável enquanto aguarda um artista ou um projeto "estourar".

E, para além das políticas públicas e a articulação das organizações culturais, é essencial também que a classe artística, principalmente aquela que está conectada aos gêneros da música preta, como o rap, o trap e o funk, promova uma reflexão sobre qual modelo de indústria têm sido construído em torno dos seus trabalhos. Recentemente passamos pela primeira audiência pública sobre o massacre dos 9 jovens em Paraisópolis, no baile da DZ7, e como retratado pela representante da Frente de Mulheres Pelo Funk, Renata Prado, estamos longes de conseguir uma unidade que comporte todas as lutas necessárias para frear a criminalização do gênero e garantir vida digna para os que trabalham e os que tiram lazer dentro do funk. Precisamos de alternativas que garantam todas as vidas e não apenas dos mais privilegiados dentro do setor cultural.

* O presente artigo contou com a edição da jornalista Giulia M. Ebohon

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Neste texto, a escolhida por Wellison Freire e Thaynah Gutierrez foi "Jesus de Cyclone", de Artilheiro.

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