Recentemente, o Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontou uma elevação nos registros de violência contra as mulheres. O aumento foi observado em indicadores diversos como ameaças, agressões por violência doméstica, homicídios e feminicídios e violência sexual.
Ainda que parte do aumento possa ser explicada pela maior propensão das mulheres em denunciar crimes que sempre existiram, medidas para enfrentar o problema são mais do que necessárias.
Ao longo das últimas décadas, o Brasil vem ensaiando respostas para lidar com a violência contra as mulheres. Além da Lei Maria da Penha, delegacias especializadas de atendimento à mulher (Delegacias da Mulher), centros especializados de atendimento, tais como a Casa da Mulher Brasileira, casas de abrigo e acolhimento, juntamente com organizações da sociedade civil fazem parte do rol de iniciativas para prover apoio e acolhimento às vítimas de violência.
Em que pese a importância dessas ações, é preciso que a sociedade saiba sobre a efetividade das iniciativas em curso.
Em estudo recente publicado na Public Administration Review, Paulo Arvate (FGV-SP), Anita McGahan (Universidade de Toronto, no Canadá), Paulo Reis (UFRJ) e eu analisamos o papel das delegacias da mulher no Brasil entre 2004 e 2018.
Nesse trabalho, adotamos uma perspectiva interseccional para analisar os efeitos dos órgãos sobre a redução da violência contra mulheres em geral e mulheres pretas e pardas.
Utilizando diversas fontes de dados oficiais e uma metodologia quase experimental (diferença em diferenças), identificamos que os indicadores de letalidade violenta de mulheres são entre 11 a 14 % menores em municípios que possuem delegacias da mulher.
Ou seja, a presença de estruturas em que as mulheres podem denunciar os crimes cometidos por seus agressores e ter acesso a serviços de acolhimento aumenta as chances de os crimes serem investigados e das mulheres serem protegidas, em relação a municípios que não contam com o órgão.
No entanto, na média, os resultados estão concentrados nas mulheres autoidentificadas como brancas. Mulheres autoidentificadas como pretas e pardas, apenas experimentam os benefícios das delegacias da mulher quando habitam em municípios com melhores indicadores educacionais e com melhor infraestrutura de transportes e comunicações.
Mesmo assim, nos municípios com melhores indicadores, as delegacias da mulher estão associadas a uma redução da ordem de 8% nas mortes das mulheres pretas e pardas, enquanto a redução chega a 28% para as mulheres brancas.
Além de sinalizar a importância de políticas complementares no combate à violência e do papel das delegacias da mulher para lidar com privilégios de gênero, muito precisa ser feito ainda para lidar com privilégios e disparidades de raça.
O que pode ser feito para diminuir essas desigualdades? Nossa teoria, suportada por nossas análises, sugere que procedimentos e rotinas adaptados aos problemas estruturais que afetam mulheres pretas e pardas, maior representação de mulheres pretas nas forças policiais, juntamente com mandatos institucionais claros para lidar com a violência racial de forma vigorosa, podem ajudar as delegacias da mulher no combate à violência na intersecção de gênero e raça, sem prejudicar outros segmentos da sociedade.
Para tanto, a pressão da sociedade para que as autoridades façam uso da gestão baseada em evidências e não em meros achismos sem maior fundamento é essencial para preservar as vidas das mulheres.
O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Sandro Cabral foi "Super-Homem (A Canção)", de Gilberto Gil.
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