Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública

O céu não é o limite para lideranças diversas

Assegurar a representatividade em cargos de liderança é reconhecer estruturas sociais que inviabilizam a ascensão de mulheres e pessoas negras aos postos de tomada de decisão

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Em 20 de julho de 1969, milhares de pessoas ao redor do mundo assistiam aos astronautas Neil Armstrong e Edwin Aldrin pisarem na lua. Esse evento marcaria a vitória dos Estados Unidos na corrida espacial contra a então União Soviética. Mas esse feito sem precedentes na história da humanidade só foi possível graças ao trabalho de Katherine Johnson, uma matemática afro-americana.

Em meio à segregação racial que imperava nos Estados Unidos à época, e diante das limitadas oportunidades para mulheres, sobretudo para as mulheres negras, Katherine desafiava convenções. Na Nasa, um ambiente dominado por homens brancos, ela se destacou por seu trabalho e por sua liderança. Foram seus cálculos que garantiram o sucesso das missões espaciais americanas, incluindo o voo histórico de John Glenn ao redor da Terra e a missão Apollo 11, que levou o homem à lua.

A história de Katherine Johnson nos faz perceber que cada vez que uma mulher ou uma pessoa negra (e, principalmente, uma mulher negra) assume um papel de liderança, ela desafia estereótipos, quebra barreiras e redefine o que é possível para futuras gerações. Ela também gera transformações que têm efeitos significativos não apenas do ponto de vista organizacional, mas social, uma vez que têm potencial para moldar culturas e mentalidades.

Fillipi Nascimento, pesquisador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper
Fillipi Nascimento, pesquisador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper - Divulgaçao

A academia tem se dedicado ao tratamento dessa questão, buscando quantificar e qualificar os benefícios da diversidade em posições de liderança e autoridade. A necessidade de diversidade nos postos de tomada de decisão não é apenas uma narrativa de justiça social, mas uma realidade respaldada por evidências empíricas. E em uma iniciativa da Fundação Lemann juntamente com o Núcleo de Estudos Raciais do Insper (Neri), eu e o pesquisador Michael França sintetizamos os achados dos principais estudos sobre liderança e diversidade desenvolvidos nos últimos 20 anos.

No setor privado, parte dos estudos selecionados sugere que empresas lideradas por mulheres ou pessoas negras são aquelas que apresentam melhor desempenho financeiro, que são mais bem avaliadas por seus colaboradores e que mais atraem e retêm talentos. No setor público, estudos como o de Fernanda Brollo e Ugo Troiano, intitulado "What happens when a woman wins an election? Evidence from close races in Brazil", indicam que a eleição de mulheres para cargos políticos está associada a uma redução da corrupção e do clientelismo nos postos do poder executivo municipal.

Entre outros trabalhos selecionados na síntese, também há evidências que sugerem que líderes negros eleitos propõem o triplo de políticas públicas de inclusão e têm impacto positivo na educação e representação política local.

Em que pesem esses e outros benefícios de uma liderança diversa, o estudo também aponta que ainda há muito que se fazer. Várias barreiras contribuem para a persistente sub-representação de mulheres e negros nos postos de tomada de decisão, incluindo diferentes tipos de discriminação, dinâmicas sociais adversas que impactam desproporcionalmente a determinados grupos, como as responsabilidades derivadas da maternidade e o assédio sexual, e desigualdades sistêmicas de poder.

Nesse sentido, assegurar a representatividade em cargos de liderança e autoridade significa reafirmar a dignidade e o valor individual. Significa também reconhecer que, por muito tempo, estruturas sociais perpetuaram desigualdades que inviabilizaram e ainda hoje inviabilizam a ascensão de mulheres e pessoas negras aos postos de tomada de decisão.

Reconhecendo a importância desse e de outros debates, o Neri realizará no dia 15 de setembro, das 8h às 17h, no Insper, o evento "A cor da desigualdade", com o objetivo de discutir não apenas questões relacionadas à diversidade e liderança, mas também à educação, à desigualdade e às políticas públicas. Esse evento será uma oportunidade única para acadêmicos, gestores, ativistas e para o público em geral acompanhar as pesquisas produzidas pelo núcleo e se engajar na discussão de soluções mais justas e equitativas.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a música escolhida por Fillipi Nascimento foi "Lilás", de Djavan.

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