Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França
Descrição de chapéu Vida Pública Fies Enem

Do racismo estrutural às políticas públicas

Enfrentamento das disparidades raciais requer ir além do uso da expressão

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Alysson Portella

Economista e pesquisador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper

Nos últimos anos, a população branca brasileira, na qual me incluo, parece ter descoberto uma nova expressão: racismo estrutural. Ela é evocada quando se deseja —ou se é pressionado a— se posicionar sobre as questões raciais. Diferenças educacionais entre brancos e negros? Racismo estrutural. Falta de negros em cargos de chefia? Racismo estrutural. Violência policial? Baixa representatividade política? Nenhuma ministra negra no STF (Supremo Tribunal Federal)? Racismo estrutural.

Não quero com isso chamar a atenção daqueles colegas que empregam este conceito com todo o rigor que ele merece. No entanto, me parece que muitos não estão saindo da superficialidade ao usá-lo. Vejo também que ele tem sido utilizado em algumas circunstâncias para encerrar discussões que, por natureza, são desconfortáveis, mas necessárias. Enfrentar os problemas gerados pelo racismo estrutural, porém, nos exige ir além de condená-lo moralmente e pensar minuciosamente em como ele afeta as pessoas e quais políticas públicas podem ser efetivas em combatê-lo.

Alysson Portella
Alysson Portella é pesquisador de pós-doutorado no Insper, onde também colabora com o Núcleo de Estudos Raciais - Divulgação

Tomemos, por exemplo, a questão educacional. Nossas pesquisas do Neri (Núcleo de Estudos Raciais do Insper) mostram que alunos negros têm desempenho pior que alunos brancos em todas as etapas do ensino avaliadas pelo MEC (Ministério da Educação). Entre alunos do nono ano de escolas públicas urbanas, a lacuna é de cerca de 13 pontos na escala SAEB (Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica). Para se ter uma ideia, as diferenças entre escolas privadas e públicas ficam ao redor de 25 pontos.

Mas quanto dessa diferença se deve à condição socioeconômica das famílias? Quanto é em função da pior qualidade das escolas das crianças negras? E quanto das disparidades educacionais é por causa da discriminação racial, entendida como tratamento diferenciado em razão da raça?

Se parte das diferenças de notas se deve à discriminação, como ela opera exatamente? São crianças negras que sofrem preconceito de colegas e não querem ir à aula? São professores que tratam alunos de forma diferente por causa da cor da pele? É a falta de amparo na gravidez e primeira infância que faz crianças negras entrarem na escola já com dificuldades? É o racismo vivenciado fora da escola que as impede de se engajar plenamente nos estudos? Ou é uma combinação disso tudo em diferentes magnitudes?

Essas são perguntas que precisam de respostas precisas para direcionar políticas públicas efetivas na redução das desigualdades raciais na educação. Não adianta atuar apenas com professores se parte do problema está fora da sala de aula, por exemplo.

E isso é apenas uma dimensão do problema. Temos ainda disparidades raciais no mercado de trabalho, exposição à violência, representação política... Combatê-las requer entender as particularidades de cada situação e pensar em soluções próprias para elas. Ao mesmo tempo, é preciso compreender que a discriminação atua de forma sistêmica e desigualdades nessas dimensões se reforçam.

No dia 27 de outubro, às 18h, será lançado no Insper o livro "Números da Discriminação Racial: Desenvolvimento Humano, Equidade e Políticas Públicas", organizado por mim e por Michael França. Ele conta com 13 capítulos escritos por pesquisadores do Neri e convidados, e aborda uma ampla gama de tópicos. Desejamos que ele contribua para que o debate sobre desigualdade racial avance ainda mais.

A obra parte da realidade do racismo estrutural, que a população negra entende muito bem, explicitando algumas formas pelas quais a discriminação age e traz uma série de dados relacionados à evolução histórica das disparidades raciais. Esperamos que ele possa auxiliar gestores públicos, acadêmicos, pesquisadores e as pautas do movimento negro. Além disso, o livro também foi pensado para trazer diversas evidências empíricas com o intuito de chamar a atenção de quem detém o poder político e econômico para transformar o país —infelizmente, ainda hoje, uma minoria branca e privilegiada.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Neste texto, a escolhida por Alysson Portella foi "The Message", de Grandmaster Flash and the Furious Five.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.