Políticas e Justiça

Editado por Michael França, escrito por acadêmicos, gestores e formadores de opinião

Políticas e Justiça - Michael França
Michael França

Da escravização à realeza: viva à Tereza!

Que a luz de Tereza de Benguela continue a brilhar, iluminando o caminho de todas as mulheres pretas que estão em busca da justiça e igualdade

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Luana Ozemela

É vice-presidente de impacto e sustentabilidade do iFood, conselheira do Unicef e embaixadora do Pacto de Mulheres Negras 2023-24

Em um país que, frequentemente, tenta apagar as vozes das mulheres negras, o dia 25 de julho é um marco significativo. A data é uma homenagem à mulher negra, latina e caribenha, tendo como o maior símbolo a icônica Tereza de Benguela, uma rainha africana que, assim como diversas outras personalidades pretas da história, foi ignorada pela historiografia nacional.

Tereza de Benguela nasceu no século XVIII - acredita-se que no Brasil - e emergiu como uma líder incontestável no Quilombo do Quariterê, localizado no Mato Grosso. Após a morte de seu marido, José Piolho, ela assumiu a liderança do quilombo, que abrigava mais de 100 pessoas, e demonstrou uma habilidade extraordinária em estratégia e administração. Ao ir da escravidão à realeza, ela transformou o quilombo em um símbolo de resistência, autonomia e esperança para centenas de pessoas que buscavam liberdade do jugo colonial.

A imagem mostra uma mulher com cabelo cacheado e volumoso, usando um vestido preto e uma jaqueta de malha. Ela está em uma pose de mãos unidas, com um leve sorriso no rosto, olhando para a câmera. O fundo é neutro, destacando a figura da mulher.
Luana Ozemela é vice-presidente de impacto e sustentabilidade do iFood, conselheira do Unicef e embaixadora do Pacto de Mulheres Negras 2023-24 - Divulgação

Essa figura tão emblemática e fascinante não apenas liderou, mas também estruturou uma comunidade autossuficiente e organizada. Sob o comando de Tereza de Benguela, o Quilombo do Quariterê desenvolveu uma estrutura administrativa inovadora para a época, que incluía a criação de conselhos para a tomada de decisões coletivas. Esses conselhos eram compostos por representantes de diferentes setores da comunidade, como agricultura, segurança e questões sociais.

Os conselhos do Quilombo do Quariterê asseguravam que todas as decisões fossem tomadas democraticamente, garantindo a participação de todos os membros da comunidade, independentemente de sua posição social. Essa abordagem descentralizada e participativa fortaleceu a autonomia e a resistência do quilombo, contribuindo para a construção de um senso de unidade e coletividade. O modelo de governança desenvolvido por Tereza de Benguela continua a inspirar movimentos de resistência e luta por direitos humanos e sociais até os dias de hoje. Em minha atuação em impacto e sustentabilidade, busco replicar esse modelo, promovendo iniciativas que valorizem a voz dos membros do nosso ecossistema e das comunidades que atuamos, promovendo uma cultura de respeito e transparência em todo ecossistema. Assim como Tereza fez no passado, acredito firmemente na força da união e na importância de uma liderança que se preocupa genuinamente com o bem-estar e o futuro de seu povo.

Em 1770, o Quilombo de Tereza enfrentou uma grande ameaça quando forças coloniais lideradas por bandeirantes atacaram o quilombo, resultando na captura de sua líder. Existem relatos que indicam que ela foi capturada e posteriormente executada pelos colonizadores. Outras versões sugerem que, para evitar ser capturada, ela preferiu tirar a própria vida. Independentemente do desfecho trágico, o legado da Tereza de Benguela transcende o tempo e permanece imortal, pois uma mulher preta tornou-se rainha, tornou-se um farol de esperança e resistência em tempos de extrema adversidade. Sua capacidade de organização e seu compromisso com a liberdade e a dignidade humana fizeram dela uma figura emblemática na luta contra a opressão.

E sendo uma mulher negra em um cargo de liderança, encontro nela uma fonte inesgotável de inspiração e força, pois entendo que a sua coragem e visão não só desafiaram as normas da época, mas também abriram caminho para que nós, mulheres pretas, hoje, possamos reivindicar nossos espaços e nossas vozes em um cenário que insiste em tentar nos apagar.

Referenciando o enredo da escola de samba Viradouro de 1994, em que Tereza de Benguela foi a homenageada, que a luz de Tereza de Benguela continue a brilhar, iluminando o caminho de todas as mulheres pretas que estão em busca da justiça e igualdade.

Que neste dia 25 de julho - e em todos os dias - a rainha africana seja um espelho para nós e que o seu legado de resistência e empoderamento ecoe em nossos corações, inspirando-nos a seguir firmes em nossa jornada, sabendo que, assim como ela, podemos fazer a diferença e deixar um impacto duradouro no mundo.

O editor, Michael França, pede para que cada participante do espaço "Políticas e Justiça" da Folha sugira uma música aos leitores. Nesse texto, a escolhida por Luana Ozemela foi "Woman", de Simi.

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