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Descrição de chapéu Interior de São Paulo

Banca do China

Leitor volta à infância com memória de banca de revistas

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Hélio Ricardo Ribeiro

A banca do China ficava na praça Oxford. No centro desta, uma enorme e centenária paineira a tornava a praça mais bonita da minha infância. Aliás, não sei por que não se chamava praça da Paineira, é um nome muito mais bonito, convenhamos.

Fotografia colorida em plano médio de homem parado diante de banca de revistas; ele está de costas para o fotógrafo e observa o conteúdo exposto
Mauro Pimentel - 3.out.22/AFP

Nem sempre foi banca do China. Antes, era de um sujeito antipático. Tenho sete ou oito anos. Chego e peço figurinhas do álbum Show Time, mas pronuncio a palavra "time" em português, como time de futebol. Ele me corrige, "não é time, é taime", e sorrindo, irritante. O sujeito me ensinou alguma coisa, eu deveria ter agradecido, mas não gostei. Tímido, calei, com vontade de mandá-lo enfiar as figurinhas naquele "place".

Mas eu falava do China. Era um homem já de certa idade, e nos tratava muito bem. Não vendia revistas novas, não lembro o porquê, apenas usadas, o que facilitou muito minha vida. Eu comprava uns dez gibis, depois trocava por meia dúzia, depois por três ou dois. Sim, ele também trocava os gibis já lidos, e assim devorei sua banca inteira.

Ele cultivava também uns hábitos esquisitos. Varria e limpava a praça, sem ter obrigação; fixava cartazes ao redor da banca, sempre com mensagens positivas. Infelizmente não recordo seu nome. Definitivamente, era um sujeito que não se encaixava na ordem natural das coisas. E a ordem natural das coisas, àquela época, incluía meus pais vivos na casa de minha infância, ali pertinho. O bar Paineira, na mesma praça, onde aprendemos, uns anos à frente, que sem uma dose de álcool não dá para suportar as perdas. E as ruas adjacentes, onde fui criança.

Essa foi minha Pasárgada. Hoje nada disso existe mais, nem a paineira centenária. É difícil de acreditar. Como diria o Manuel Bandeira, tudo lá parecia impregnado de eternidade.

Hélio Ricardo Ribeiro, 46, nasceu e mora em Sorocaba, interior de São Paulo. É comerciante e professor inativo de Língua Portuguesa. Tem uma relação visceral com a literatura, particularmente com Graciliano Ramos, uma de suas obsessões. Publicou três livros de crônicas, sem muitas pretensões, distribuídos apenas entre familiares e amigos.

O blog Praça do Leitor é espaço colaborativo em que leitores do jornal podem publicar suas próprias produções. Para submeter materiais, envie uma mensagem para leitor@grupofolha.com.br

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