Pretos Olhares

Fotografia e outras linguagens da arte feitas por pessoas pretas

Pretos Olhares - Catarina Ferreira
Catarina Ferreira

Fotógrafa resgata história de famílias negras para buscar memórias perdidas

A baiana Helen Salomão procura imagens de beleza e valorização da diversidade da população preta

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São Paulo

Você tem fotografias de seus avós? E dos bisavós?

Fotógrafa e poetisa, a baiana Helen Salomão, 28, lembra com carinho da única imagem que sua avó guarda dos pais, seus bisavós. Na época, os retratos ainda eram pintados.

Duas pessoas sorriem, um homem sem camisa, à esquerda, e uma mulher, à direita, ambos sentados em cadeiras brancas de plástico
Foto da série 'Histórias que não estavam nos livros', retrato do cotidiano da família de Andreza (dir.) - Helen Salomão

Ter fotografias no início do século 20 não era algo fácil, devido ao preço. Para famílias negras, acessar registros de seus ancestrais era ainda mais difícil, não só pelo custo, mas pela falta de documentação do período que antecede a abolição da escravatura —oficializada em 1888.

"Infelizmente a nossa história, de pessoas negras e indígenas, ficou muito na oralidade, porque estávamos pensando em coisas básicas de como sobreviver" afirma.

A artista diz ter visto o quanto a população preta, mesmo sem o devido reconhecimento histórico, produziu saberes que foram passados de geração em geração, pelas tranças, pela culinária, pelos costumes. Para ela, a fotografia é um espaço para mostrar essa potência.

Nas fotos, ela retrata cenas do cotidiano de pessoas com diferentes tons de pele e idades, com corpos magros e gordos. O objetivo: é que não faltem registros de afeto, força e beleza dentro e fora das casas de pessoas negras, para que futuros filhos, netos e bisnetos, tenham documentada a vida daqueles que vieram antes.

Nascida em uma família de mulheres artesãs, Helen começou a fotografar ainda adolescente, aos 17 anos, sem intenção de tornar-se artista. O plano era ser advogada. Mas ao desenvolver o olhar fotográfico viu a possibilidade de tornar-se artista.

Além das fotos, ela também faz experimentações com audiovisual. Em seu primeiro curta, chamado "Raízes Mapas", tenta resgatar o caminho do trançado no cabelo crespo.

"As tranças são uma tecnologia ancestral incrível."

Helen cresceu vendo a avó trançar cabelos. Ela conta que resgatar a memória do trançado que "se perpetua até hoje como lugar de resistência", olhando para sua família, foi um marco importante em sua carreira. O registro das mãos, muito presente no trabalho, ajuda a marcar o tempo e a valorizar o trabalho artesanal.

"Ainda estou descobrindo o processo de reconstrução daquilo que eu não tive", diz referindo-se ao registro da memória de seus ancestrais e de sua comunidade, por exemplo.

Na série "Histórias que não estavam nos livros", que ainda não foi finalizada, famílias de pessoas negras e indígenas têm seu dia a dia registrado. "Fotografia é troca. É preciso ter o nome, o sobrenome, deixar que as pessoas falem quais são seus sonhos, de onde elas são, para que as suas famílias e outras famílias também tenham acesso a isso" e para que o registro fuja de estereótipos e de lugares comuns que tendem ignorar a multiplicidade dentro da comunidade negra, explica ela.

Helen diz sentir falta de espaços em que possa tratar do seu trabalho enquanto processo artístico e não apenas como uma temática a ser trazida uma ou duas vezes ao ano, como no 20 de novembro (Consciência Negra) ou no 13 de maio (Abolição da Escravatura).

Ser mulher e negra aparece em seu trabalho, afirma, mas assim como fotógrafos brancos ela quer falar de seu trabalho e ser tratada com o devido valor que sua arte tem.

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