Quadro-negro

Uma lousa para se conhecer e discutir o que pensa e faz a gente preta brasileira

Quadro-negro - Dodô Azevedo
Dodô Azevedo

É preconceituosa a ideia de que a esquerda precisa se aproximar da favela

A ideia de que as pessoas de favela precisam ser educadas é colonialista

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O filósofo iluminista Montesquieu, anti-escravagista, vivendo em uma época na qual afirmava-se não acreditar que Deus colocou alma em corpos negros, uma vez escreveu, reclamando da burrice dos povos escravizados:

"Uma prova de que os negros não têm senso comum é que dão mais importância a um colar de vidro do que ao ouro, fato que, entre as nações policiadas, é de tão grande conseqüência".

Mulher caminha sobre passarela. Favela ao fundo.
Votação em frente à favela da Rocinha. (Photo by ANDRE BORGES / AFP) - AFP

O ano é 2022 e a situação não é muito diferente. Em 2018, ganhou notoriedade na boca de Mano Brown a fala de que o PT deveria voltar para as bases. A classe média imediatamente interpretou como se Mano estivesse pedindo ajuda à esquerda branca. Ao salvador branco que vai até a um lugar onde as pessoas não pensam, não têm alma, tentar catequizá-las.

O que pudemos experimentar nestes últimos 4 anos é que a favela não precisa que ninguém vá lá ensinar senso comum a ela.

Pelo contrário. Foram as favelas do Brasil que melhor souberam produzir cultura e micropolítica. Foram as favelas que souberam melhor lidar com a pandemia. Foram as favelas quem souberam melhor lidar com o desemprego.

Não foi em favelas que vimos pessoas cometendo suicídio por questões financeiras. Foi na classe média embriagada na gim-tônica (o drinque que marcou os últimos 4 anos) e ansiolíticos.

O resultado do primeiro turno deixou essa frágil classe média iluminista sem rumo, tonta, mais uma vez (passamos pela mesma surpresa com pesquisas em 2018).

Mais uma vez não contabilizaram os avanços identitários (como o fenômeno slam poetry, o identitarismo é preto e favelado). E deram mais peso à macropolítica do que aos detalhes históricos (primeires candidates trans eleites na história de nossa república).

Não notaram que, se antes gente como Marielle Franco necessitava buscar votos fora da favela, agora são eleitas por ela.

Com um asco elitista do movimento evangélico, essa turma parece que sequer leu a sempre indispensável coluna de Ana Cristina Rosa aqui para a Folha, onde ela atenta para o fato de que as pesquisas apontam que a maioria dos eleitores de esquerda é de pessoas pretas e pardas.

Ou seja, quem precisa ir dar umas aulas de senso comum para o asfalto são os que vivem sob um regime de extrema-direita desde que nasceram.

A favela.

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