Que imposto é esse

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Que imposto é esse - Eduardo Cucolo
Eduardo Cucolo
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Vinicius Branco

Nietzsche e a Reforma Tributária

Governo terá que lidar com grupos que se articulam para exigir concessões e privilégios

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Vinicius Branco

Advogado e sócio de Levy & Salomão Advogados

A esperança na realidade é o pior dos males, porque prolonga o sofrimento do homem, dizia Nietzsche. Esse adágio vem logo à mente quando se nota o evidente cansaço estampado na face do ministro Haddad, revelando indisfarçável desânimo com o atual cenário econômico e suas perspectivas.

A exaustão do ministro tem sido creditada à intransigência da autoridade monetária em relação à pretendida flexibilização da política de juros praticada no país. Há, no entanto, razões de sobra para inferir que além desse, há outros motivos para a insônia ministerial.

Coincidência ou não, no mesmo dia em que Fernando Haddad protestou contra a decisão do Copom, o secretário extraordinário da Reforma Tributária reconheceu publicamente não ser possível implementá-la sem dispensar tratamento diferenciado a alguns setores da economia, citando exemplificativamente a saúde e a educação.

Fachada do Ministério da Fazenda - Pedro França/Agência Senado

Esse fato certamente aumentou —ou deveria aumentar— a preocupação do ministro com o sucesso da estratégia adotada para pôr fim à alta de juros e o retorno do país à normalidade, na medida em que a reforma tributária é tida como um dos principais alicerces em que se sustenta o arcabouço fiscal tido como salvador.

A realidade é mesmo cruel, como apontou Nietzsche.

A evidente utopia de um arranjo indolor, que chegou a ser chamado de "ganha-ganha" por seu idealizador, foi finalmente reconhecida, revelando a fragilidade do projeto original e as enormes dificuldades para sua implementação.

Não é difícil antever que além da disputa pelo protagonismo da iniciativa parlamentar entre Câmara e Senado, e do complexo problema de repartição de receitas entre União, Estados e municípios, o governo terá que lidar também com os fortíssimos grupos de pressão que se articulam com desenvoltura em todas as frentes para exigir concessões e privilégios, a exemplo do que já vem sendo feito pela bancada do agronegócio, dos defensores da Zona Franca de Manaus, das superintendências regionais, do setor de serviços, da indústria bélica, e tantos outros que clamam pelo seu quinhão primeiro.

Navegar nessas águas não é para qualquer um, sobretudo quando se é refém de grupos de interesse no Parlamento.

Nessa ordem de ideias, é mais do que justificado o receio de que a partir do momento em que a primeira exceção for aberta, outras certamente virão, até que nosso sistema tributário volte a ficar tão caótico como o atual, permeado por regimes especiais, alíquotas diferenciadas, isenções, exonerações, e outros improvisos concebidos para agradar este ou aquele setor.

Se interesses tão difusos não forem logo compatibilizados, o tão desejado arcabouço ficará inviabilizado, e com ele a esperança de encontrar um caminho para o desenvolvimento do país e para o bem-estar da população.

Para voltar a dormir bem, o ministro deve concentrar suas forças no que realmente interessa à Nação, investindo na simplificação do atual sistema. Simplificar não significa apenas reduzir o número de tributos atualmente previstos, mas também evitar que interesses individuais se sobreponham ao interesse público, focando esforços na concepção de um modelo econômico alicerçado em base sólida e estável, que assegure um mínimo de previsibilidade aos investidores, e um máximo de segurança jurídica aos contribuintes.

Enfim, sem um sistema tributário eficiente e moderno, não haverá arcabouço fiscal capaz de mitigar as expectativas de inflação, com a consequente redução da taxa de juros.

O ministro corre contra o tempo, que é curto. Oxalá logre êxito em sua hercúlea tentativa de superar tantos obstáculos e desafios, evitando que se materialize o fatídico presságio de Nietzsche.

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