A transação tributária tem se tornado um instituto cada vez mais relevante na relação entre Fisco e contribuintes, dadas suas características de celeridade e efetividade na solução do endividamento tributário, evitando o prolongamento de processos —algo arraigado na cultura brasileira— e reduzindo os custos da máquina pública na cobrança do crédito tributário.
No Brasil, a transação tributária foi regulamentada recentemente e a lei trouxe inovações importantes para o sistema tributário. Apesar de jovem por aqui, institutos semelhantes são utilizados com grande sucesso em outros países, como é o caso dos Estados Unidos, que inspiraram nosso modelo, assim como o Reino Unido e a Itália.
Nesse contexto, é sempre saudável dar uma "espiada na grama dos vizinhos" para que seja possível aprender com as diferenças, valendo-se do exercício comparativo, de forma a contribuir para o seu aprimoramento, mas acima de tudo, na tentativa de promover uma cultura de maior diálogo e negociação entre o Fisco e os contribuintes.
Importante destacar que a legislação brasileira prevê três modalidades de solução alternativa de conflitos fiscais: o negócio jurídico processual, a transação individual e a transação por adesão.
A transação tributária no Brasil apresenta-se como uma alternativa para processos administrativos ou judiciais e permite que contribuintes possam regularizar suas dívidas, evitando as consequências da cobrança em dívida ativa.
Nestes países —Estados Unidos, Reino Unido e Itália—, institutos semelhantes à transação tributária também são utilizados.
Nos Estados Unidos, existe o "offer in compromisse", regulamentado pelo IRS (Internal Revenue Service), a agência federal responsável pela administração e aplicação das leis fiscais. O IRS desempenha um papel fundamental na formulação do "offer in compromisse".
O "offer in compromisse" é aplicável aos casos de cobrança de impostos ou negativa de deduções, sendo realizado por propostas do contribuinte ou do próprio IRS.
Uma das principais características do sistema norte-americano é a possibilidade de um acordo com menor valor, mas sua admissibilidade depende da análise criteriosa do IRS, que verifica se a proposta é adequada e se a dívida pode ser quitada na forma sugerida, com ampla discricionariedade para negociação, que pode ser feita individualmente ou por programas coletivos.
De acordo com dados do IRS, em 2020, foram recebidas 54.106 propostas, das quais 17.712 foram aceitas. Isso representa uma taxa de aceitação de cerca de 32,7% das propostas recebidas. No mesmo ano, o IRS arrecadou aproximadamente US$ 269,9 milhões com o instituto.[1]
No Reino Unido, por sua vez, o HMRC (HM Revenue & Customs) é a autoridade fiscal que organiza "time to pay". Esta agência governamental é responsável pela administração e aplicação das leis fiscais do país, assim como pelo controle aduaneiro.
O "time to pay", se destaca como um programa de renegociações administrado pelo HMRC, que permite aos contribuintes o pagamento da dívida tributária parcelada.
O processo começa com o contribuinte acionando o HMRC para solicitar seu "time to pay" e informar detalhadamente sua situação financeira e a natureza da dívida. Após análise do HMRC, poderá ou não haver o reconhecimento da elegibilidade do contribuinte para o acordo. O contribuinte que for apto a participar de um "time to pay" receberá um plano de pagamento personalizado.
Em 2020, o HMRC divulgou que havia recebido cerca de 8.000 solicitações de transação tributária, com um valor total de dívida tributária de cerca de £ 2,4 bilhões. O HMRC concedeu cerca de 6.000 acordos de transação tributária, totalizando cerca de £ 500 milhões em pagamentos de dívida tributária.[2]
A Itália também possui ferramentas semelhantes e que são conhecidas como "accertamento con adesione" e a "conciliazione fiscale", dois mecanismos que permitem a solução de controvérsias com a Agenzia delle Entrate, responsável pela administração e aplicação das leis fiscais do país, bem como pelo controle e supervisão das atividades econômicas.
No cenário das negociações entre Fisco e contribuintes italianos, o "accertamento con adesione", surge como um procedimento completamente extrajudicial, o contribuinte recebe uma notificação da Guardia di Finanzae, caso tenha interesse, deve aceitar, sem contestação, a correção proposta pela Agenzia delle Entrate.[3]
Por outro lado, na "conciliazione fiscale" existe, de fato, uma negociação. Nesse caso, o contribuinte contesta a correção proposta pela administração tributária e busca um acordo sobre os valores em disputa. Durante o procedimento de conciliação, as partes envolvidas negociam os termos do acordo que, uma vez alcançado, o contribuinte inicia o pagamento do valor acordado.[4]
A análise dos diferentes institutos acima revela a diversidade de abordagens. Em cada um a forma de solução de conflitos foi desenvolvida com base em cultura, valores e necessidades específicas, mas, acima de tudo, na relação de confiança existente entre Fisco e contribuintes. Assim, quanto maior a confiança, mais desenvolvido é o mecanismo.
A comparação leva à conclusão de que houve evolução, com melhorias significativas em relação ao modelo italiano. Porém, entre os modelos brasileiro, americano e britânico é evidente que ainda há espaço para aprimoramentos. A transação tributária individual, neste ponto, se mostra como a aposta mais certeira, pois representa o remédio correto para a dor existente em cada um dos contribuintes, devendo prevalecer sobre os programas por adesão que são mais genéricos e podem passar a falsa impressão de que são novos incentivos ao devedor contumaz.
[1] https://www.irs.gov/pub/irs-pdf/p55b.pdf
[2] https://www.gov.uk/government/publications/hmrc-annual-report-and-accounts-2019-to-2020
[3] https://www.agenziaentrate.gov.it/portale/web/guest/schede/accertamenti/contenzioso-e-strumenti-deflativi/accertamento-con-adesione-cont-strum-defl
[4] https://www.giustiziatributaria.gov.it/gt/web/guest/conciliazione-giudiziale
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