Que imposto é esse

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Que imposto é esse - Eduardo Cucolo
Eduardo Cucolo
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Artur Muxfeldt, Daniel Zugman e Frederico Bastos

Revogação antecipada do Perse: a importância do Judiciário no controle da legalidade

Em relação a empresas que não forem contempladas nas negociações, caberá à Justiça a palavra final

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Artur Muxfeldt

associado do escritório BVZ Advogados

Daniel Zugman

sócio da prática tributária do escritório BVZ Advogados

Frederico Bastos

sócio da prática tributária do escritório BVZ Advogados

Desde o início do ano, a tentativa de revogação antecipada do Perse pelo governo federal tem gerado intensas controvérsias no Poder Judiciário e no Legislativo, porém os resultados ainda são incertos.

O Perse foi instituído em 2022, com o objetivo de recuperar os setores de eventos e turismo que foram gravemente prejudicados na pandemia. Dentre os benefícios concedidos, destaca-se a redução a 0% (zero) das alíquotas dos principais tributos federais (IRPJ, CSLL, PIS e COFINS), pelo prazo de 5 anos, isto é, até 2027.

Ocorre que, no fim de 2023, os beneficiários do programa foram surpreendidos com a publicação da Medida Provisória nº 1.202, que unilateralmente e por interesses arrecadatórios do governo federal de cumprir a meta fiscal de 2024, determinou a revogação antecipada da alíquota zero já a partir de 1º de abril deste ano, com exceção do IRPJ, que se dará a partir de 1º de janeiro de 2025.

De acordo com o Ministério da Fazenda, a justificativa para a revogação Perse é que o programa estava sendo utilizado de maneira indevida por diversas empresas e estaria gerando uma perda de arrecadação muito superior ao previsto inicialmente. Conforme dados divulgados pela Receita Federal, a renúncia fiscal anual, em 2022, atingiu R$ 10,8 bilhões e, em 2023, R$ 13,1 bilhões.

Delegacia de Fiscalização da Receita Federal, em São Paulo - Reprodução

Embora tais projeções possam ainda vir a ser contestadas, é inegável o relevante impacto econômico tanto para a arrecadação federal como para as empresas beneficiárias do Perse.

Nesse cenário, não havendo um consenso, o único caminho adequado para a solução desse embate deve se dar no campo jurídico, quanto à análise da legalidade e da constitucionalidade da pretendida revogação antecipada.

A respeito do tema, o Código Tributário Nacional prescreve em seu artigo 178 que a isenção concedida por "prazo certo" e "em função de determinadas condições" não pode ser revogada a qualquer tempo. Sob essa perspectiva, cabe verificar se o Perse se enquadra nos requisitos legais que vedam a revogação antecipada de benefício fiscal.

Embora a lei faça menção à "isenção", que tem natureza jurídica distinta da "alíquota zero", é pacífico nos Tribunais Superiores que a regra se aplica às duas espécies, pois a repercussão econômica de desoneração fiscal do contribuinte é a mesma.

No que tange ao primeiro requisito, de que a concessão do benefício tenha se dado por "prazo certo", a Lei nº 14.148/2021, que instituiu o Perse, não deixa margens para discussão, pois é expressa que o benefício seria concedido pelo prazo de 60 meses.

No entanto, em relação ao segundo requisito de que o benefício tenha sido concedido "em função de determinadas condições", há uma relevante controvérsia jurídica. Isso porque, o STF (Supremo Tribunal Federal) aprovou, em 1969, a Súmula 544, que dispõe que as isenções tributárias concedidas, sob condição onerosa, não podem ser livremente suprimidas. Merece destaque que o art. 178 do CTN (1975) é posterior à aprovação da Súmula 544 e não faz referência ao critério da "condição onerosa", mas sim a termo mais amplo de "determinadas condições".

Não obstante, é exatamente com base na suposta ausência de "condição onerosa" que a União defende a legalidade da revogação antecipada do Perse, cujo fundamento infelizmente já vem sendo acolhido em parte pelo Poder Judiciário.

No entanto, o que se verifica é uma distorção do conceito de "condição onerosa", de que para se configurar a onerosidade seria necessária alguma contrapartida financeira ou de diminuição do lucro do beneficiário do incentivo fiscal.

Sobre o tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ao analisar a revogação da alíquota zero da Lei do Bem, por exemplo, reconheceu que para se configurar a onerosidade, é necessário que a fruição do benefício esteja vinculada a certas contrapartidas do contribuinte que pretende o benefício (e.g. REsp. 1.845.082 e 1.987.675).

Com base nesse entendimento, é que deve ser analisada a Lei do Perse, que apresenta diversas condições para a fruição do benefício, dentre as quais, destaca-se a exigência que as receitas beneficiadas pela alíquota zero sejam obtidas diretamente das atividades do setor de eventos e turismo.

Ou seja, a principal contrapartida para fruição do benefício é que as beneficiárias de fato invistam na atividade incentivada e recuperem o setor econômico afetado que é essencial para o crescimento do país. Sob esse aspecto, há inclusive estudos que comprovam as contrapartidas diretas do Perse na recuperação do setor de evento e turismo e consequentemente para o crescimento econômico do país.

É o que demonstra, por exemplo, a pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral ("FDC"), que concluiu, após a análise diversos dados do setor, que, desde a implementação do Perse, "o setor de turismo e eventos demonstra vigor na capacidade de recuperação e geração de empregos" e que "a manutenção de leis como o Perse é um passo importante para garantir a recuperação econômica do país e o bem-estar de seus cidadãos".

E não é só, sob ponto de vista constitucional, há ainda diversos princípios que garantem o direito do contribuinte à manutenção do benefício fiscal pelo prazo originalmente concedido, tais como o da proteção da confiança legítima do contribuinte na Administração Pública, da não surpresa, do direito adquirido, da segurança jurídica e da boa-fé.

Não se discute aqui que a concessão de incentivos fiscais deve ser sempre avaliada com cautela pelo Poder Público, mediante análises econômicas e financeiras, que levem em consideração as contrapartidas e os efetivos ganhos para a sociedade como um todo, de modo que pequenos grupos de interesse não sejam privilegiados em detrimento do interesse público.

No entanto, revogar um incentivo instituído por meio do legítimo processo legislativo e concedido por prazo certo de forma abrupta vai na contramão da confiança que os contribuintes esperam ter na administração pública e da própria segurança jurídica que deve guiar a relação do Estado com o setor privado. Afinal, muitas empresas se planejaram financeiramente, realizaram investimentos e contratações considerando o incentivo fiscal concedido até 2027.

Embora seja legítima a preocupação do governo federal com as empresas que estão fraudando ou utilizando indevidamente o Perse, a medida adequada para solucionar o problema é identificar os infratores e recuperar o crédito tributário devido e não revogar indiscriminadamente o benefício, inclusive para os contribuintes que atendem os requisitos e finalidades da Lei.

Nesse sentido, a própria Receita Federal divulgou este mês o seu "Relatório Anual da Fiscalização", que, dentre os temas prioritários para 2024, está a fiscalização e a autorregularização dos contribuintes que aderiram indevidamente ao Perse.

Ainda, em paralelo às discussões jurídicas, tramita perante o Congresso Nacional o Projeto de Lei n. 1.026/2024, de iniciativa da Câmara dos Deputados, que pretende resguardar determinados setores e buscar um consenso entre o Governo Federal e a iniciativa privada.

Apesar das tramitações legislativas ainda em andamento, em relação a empresas que não forem contempladas nas negociações, caberá ao Poder Judiciário a palavra final e espera-se que a evolução das discussões ocorra sob a perspectiva estritamente jurídica, exaltando o protagonismo e a importância do Judiciário no controle da legalidade.

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