Saúde em Público

Políticas de saúde no Brasil em debate

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Propostas de saúde mental respondem aos desafios da saúde pública

Agenda Mais SUS apresenta quatro prioridades para próxima gestão do Executivo

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Dayana Rosa Luciana Barrancos Maria Fernanda Resende Quartiero Rebeca Freitas

No início de julho foi lançada a "Agenda Mais SUS: Evidências e Caminhos para Fortalecer a Saúde Pública no Brasil". A Agenda é uma realização do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e Umane, e tem o objetivo de contribuir com o debate público eleitoral a partir de diagnósticos e propostas concretas para o aprimoramento do Sistema Único de Saúde (SUS). Ao total, são apresentados seis caminhos, sendo um deles destinado à saúde mental, construído em parceria com o Instituto Cactus, a partir de quatro grandes propostas a serem priorizadas pelos próximos governantes visando a valorização e a promoção da Saúde Mental.

"Caminhos para Fortalecer a Saúde Pública no Brasil": baixe o documento de propostas na íntegra aqui.

Premissas de Construção

A inclusão da saúde mental como um dos eixos estruturantes deste conteúdo programático para o Poder Executivo partiu de algumas premissas norteadoras:

  1. Existe dificuldade de acesso a serviços de saúde mental no país e o cuidado se dá de forma significativamente desigual entre a população. No caso da depressão, por exemplo, a prevalência é maior entre mulheres e pessoas de menor renda, ao passo que o acesso a tratamento é menor na população negra quando comparado com pessoas brancas;

  2. Existe uma lacuna de avaliação de impacto das políticas públicas em saúde mental, corroborado por uma dificuldade de acesso a dados atualizados e publicizados do Poder Executivo;

  3. É preciso compreender a saúde mental como um fenômeno multicausal e, por isso, precisamos de um olhar interdisciplinar para o tema;

  4. Olhar para crianças e adolescentes é essencial para se fazer prevenção. Este é um público particularmente impactado pela a pandemia e negligenciado nas políticas públicas atuais e;

  5. A priorização da saúde mental dentre as políticas de saúde é necessária. Inclusive, tal priorização é recomendação da Organização das Nações Unidas (ONU) para minimizar as consequências da pandemia na população e é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) na Agenda 2030 para assegurar uma vida saudável e promover o bem-estar para todas as pessoas.

Atividades no único Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) do Oiapoque. - Foto: Adriano Vizoni/Folhapress, ESPECIAIS

Para chegar nas propostas destacadas abaixo, o Instituto Cactus e o IEPS se somaram a um grupo de especialistas com experiência nos três níveis de governo, que trabalharam em conjunto para produzir consensos na área. Roberto Tykanori (ex-Coordenador Nacional de Saúde Mental), Daniel Elia (Coordenador de Atenção Psicossocial do Estado do Rio de Janeiro), Chenya Coutinho (ex-Coordenadora de Saúde Mental de Aracaju/SE) e Giovanni Salum (ex-Coordenador de Saúde Mental de Porto Alegre/RS) integraram este grupo.

O que devemos priorizar na próxima gestão do Poder Executivo, em Saúde Mental?

Quatro propostas norteadoras sintetizam as prioridades elencadas para a saúde mental:

  1. Gerar informação e incentivar o monitoramento e fiscalização das políticas públicas de saúde mental

    Como enfatizamos no artigo "A saúde mental do país às escuras", publicado no Saúde em Público em abril, um dos principais desafios para o aprimoramento das políticas de saúde mental é a ausência de informações. O planejamento, monitoramento e a avaliação das políticas de saúde mental dependem diretamente da existência e disponibilização de dados e informações primárias, precisas e atualizadas. Somente assim será possível orientar o planejamento das políticas públicas a partir de evidências robustas, aprimorando a tomada de decisões e a alocação de recursos na área. Por isso, recomendamos a implementação de uma cultura de monitoramento e avaliação das políticas de Saúde Mental, acompanhada pelo fomento da produção de pesquisa em Saúde Mental, por meio do financiamento de linhas de pesquisa sobre o tema, e pela qualificação profissional realizada em parceria com os estados e municípios.

  2. Aprimorar a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS)

    A RAPS é a ordenadora do cuidado em saúde mental, sendo responsável pela ampliação e articulação, no âmbito do SUS, de pontos de atenção à saúde para pessoas com sofrimento ou transtorno mental ou com necessidades decorrentes do uso de drogas. Nos últimos anos, a Rede tem sofrido alterações estruturais, sem o respaldo de uma discussão ampla, participativa e baseada em evidências, o que gera assimetrias que prejudicam a qualidade do serviço e o foco no usuário. Atualmente, é possível identificar assimetrias entre serviços da RAPS, sem fundamentação técnica, como o aumento do financiamento em Comunidades Terapêuticas e internações psiquiátricas simultâneo ao desinvestimento em Unidades de Acolhimento. Para sua implementação se concretizar, algumas ações básicas, como ampliação da cobertura e desburocratização, ainda são necessárias. Além disso, recomendamos a cobertura mínima de Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e de Unidades de Acolhimento, que deve ser proporcional às necessidades de cada população municipal, e a equiparação dos Centros de Convivência e Cultura aos demais serviços da RAPS.

  3. Promover políticas de treinamento e de valorização de profissionais de saúde mental

    Segundo o Plano de Ação para a Saúde Mental adotado pela Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), a falta de treinamento dos profissionais é um dos principais desafios a serem enfrentados na área. A valorização de profissionais e o cuidado com a sua saúde mental é o primeiro passo para assegurar trabalhadores acolhedores e capazes de lidar com a saúde mental de terceiros. Para qualificação da atuação dos profissionais que interagem com pessoas em sofrimento ou com transtorno mental, propõe-se quatro abordagens estratégicas: I) aos profissionais e demais trabalhadores das unidades de saúde da Atenção Primária; II) aos profissionais de saúde mental; III) aos policiais, bombeiros e demais trabalhadores de serviços de urgência, como o SAMU e hospitais de emergência; e IV) aos gestores públicos. Ademais, recomendamos a instituição de um Plano de Cargos, Carreiras e Salários para os profissionais da RAPS, incluindo a regulamentação das cuidadoras e redutores de danos.

  4. Retomar e avançar a Reforma Psiquiátrica

    Por último, e não menos importante, é fundamental reafirmar a Reforma Psiquiátrica dada sua importância no reconhecimento dos direitos das pessoas com transtornos mentais. Apesar dos avanços consolidados na Reforma, ela ainda não foi suficientemente implementada e deve ser aprimorada. É preciso reconhecer e resgatar os avanços realizados, identificar os consensos possíveis e avançar na garantia e ampliação dos direitos das pessoas em sofrimento ou com transtorno mental. Isso inclui retomar o protagonismo dessas pessoas e da produção de evidências que guiem todas as fases do ciclo de políticas públicas de saúde mental, tendo como pressuposto que internações psiquiátricas devem ser feitas apenas quando esgotados todos os outros recursos - conforme está previsto na Lei da Reforma Psiquiátrica (Lei 10.216 de 2021) e na Lei de Drogas (Lei 11.343/2016).

Por meio de políticas públicas que promovam o respeito às diferenças e garantam os direitos humanos, nos aproximamos de uma sociedade menos estigmatizante e preconceituosa. Para alcançar esse objetivo, destacamos, dentre outras propostas, a necessidade de aumentar significativamente o orçamento público destinado à saúde mental; o apoio técnico e financeiro para a promoção da desinstitucionalização; a viabilização da Conferência Nacional de Saúde Mental; a implementação de Conselho Gestor nos serviços de saúde mental, com representação usuários; a geração de emprego e renda para pessoas com transtorno mental; a indução da formulação de uma Política Nacional de Habitação que priorize os mais vulnerabilizados; e a priorização do público das crianças e adolescentes, por meio de políticas específicas e da participação desse público no debate e formulação de políticas públicas.

As propostas de Saúde Mental, bem como toda Agenda Mais SUS, receberam o apoio também do Conselho Nacional de Secretários de Saúde (CONASS), Centro de Estudos e Pesquisas de Direito Sanitário (CEPEDISA), Instituto Veredas, Vital Strategies, República.org, Impulso Gov e da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (RAPS). Esse é apenas o início da criação de uma rede em defesa do fortalecimento do SUS, que se diferencia por incidir antes, durante e depois das eleições. São propostas concretas que foram elaboradas a partir da necessidade de resposta aos atuais desafios do sistema e de análises de viabilidade técnica e política de implementação futura.

Não podemos melhorar a saúde dos brasileiros sem olhar para a saúde mental. A partir de propostas formuladas coletivamente, pretendemos impactar novos gestores públicos, parlamentares e decisores, que poderão, em seus mandatos, garantir direitos e o cuidado para todos e todas, sem restrições.

>> Para sugestões de pauta, parcerias e comentários, entre em contato através dos e-mails contato@ieps.org.br e contato@institutocactus.org. Até o próximo Saúde Mental em Pauta!

Dayana Rosa é pesquisadora de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), administradora pública, mestre e doutora em Saúde Coletiva (IMS/UERJ); Luciana Barrancos é gerente executiva do Instituto Cactus, graduada em Direito e Administração de Empresas pela FGV e com MBA por Stanford; Maria Fernanda Resende Quartiero é comunicadora, investidora social e Diretora Presidente do Instituto Cactus, uma organização sem fins lucrativos que atua para ampliar e qualificar o debate com os cuidados em prevenção de doenças e promoção de saúde mental; Rebeca Freitas é Coordenadora de Advocacy e Relações Governamentais no Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), graduada em Direito pela UFRJ e em Ciências Sociais pela FGV-RJ e mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio.

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