Frederico Vasconcelos

Interesse Público

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Descrição de chapéu Folhajus CNJ STF

Hipótese de vingança na revisão da Lava Jato assusta juízes

Magistrados temem ser responsabilizados no futuro pela sua convicção ao julgar

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São Paulo

O pedido de afastamento dos juízes federais Gabriela Hardt e Danilo Pereira Lima e dos desembargadores Thompson Flores e Loraci Flores de Lima, magistrados que atuaram na Lava Jato, gerou manifestações de juízes da área criminal que temem ser punidos no futuro por suas convicções como julgadores.

Na semana passada, o corregedor nacional de Justiça, Luis Felipe Salomão, tentou anular, em sessão do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) uma reclamação disciplinar oferecida pelo PT em 2019. O julgamento tinha oito votos pelo arquivamento.

"Eu considero que a represália deste Conselho a uma decisão jurisdicional porque os ventos mudaram é um fator que vai contaminar negativamente toda a magistratura", alertou o presidente CNJ, ministro Luís Roberto Barroso.

"O juiz vai ficar com medo de, se mudar o governo, ser responsabilizado pela convicção que tinha naquele momento", disse Barroso. Ele leu notas de associações de magistrados manifestando "indignação pelo afastamento primário, prematuro e desnecessário de quatro juízes cuja reputação é ilibada".

Sessão do Conselho Nacional de Justiça em 16/04/2024 - Luiz Silveira/Agência CNJ

Durante a sessão, o subprocurador-geral José Adonis Callou de Sá disse que não via motivação suficiente para o afastamento cautelar dos juízes e desembargadores.

"Tenho muito receio das consequências entre juízes e membros do Ministério Público que atuam nas varas de combate à lavagem de dinheiro", afirmou.

Em 2019, Sá deixou a coordenação do grupo que auxiliava o PGR Augusto Aras nos desdobramentos da Lava Jato no Supremo. Agora, teme-se que ocorra no Judiciário o que aconteceu no Ministério Público, o esvaziamento das equipes quando Aras desmontou as forças-tarefas.

O açodamento do corregedor gerou várias interpretações.

A divulgação do afastamento dos magistrados um dia antes da sessão teria sido uma estratégia para forçar Barroso a colocar o assunto em análise; Salomão estaria afinado com interesses de ministros do STF antilavajatistas, como Gilmar Mendes; o corregedor pretenderia agradar Lula, de olho numa vaga no Supremo;

As graves imputações a um colegiado seriam uma tentativa de enterrar o argumento de que o então juiz Sergio Moro não condenou Lula sozinho, pois teve suas decisões confirmadas no TRF-4.

Antigas controvérsias

Membros do TRF-4 e ministros do STF tentaram conter o então juiz Sergio Moro no início da Lava Jato.

Decisões controvertidas de Gilmar Mendes, que reviu votos proferidos, foram usadas por advogados do PT, em benefício de Lula, sem maiores esclarecimentos em plenário.

O CNJ manteve sem julgamento, por mais de dois anos, recursos que poderiam ter levado ao afastamento de Sergio Moro dos processos da Operação Lava Jato, na época em que ele era juiz.

Os fatos tratados na investigação atual alcançariam processos que envolviam advogados parentes de ministros do STF e do STJ, como o caso da Fecomércio.

Os desdobramentos serão conhecidos quando Barroso trouxer o voto-vista, dia 21 de maio. O presidente propôs "a conclusão do julgamento e a abertura de processo disciplinar na hipótese de se encontrar alguma infração na correição extraordinária."

Operadores de direito que acompanharam a última sessão do CNJ não viram provas novas. Supõem que se o corregedor tivesse algum fato novo, de impacto, já teria divulgado.

"Em nenhum momento utilizamos informações da Operação Spoofing" [deflagrada pela Polícia Federal para investigar intercepção de mensagens de autoridades], disse Salomão.

"Fizemos uma correição extraordinária a partir de mais de 30 reclamações. Foi uma correição isenta, de forma profunda", disse o corregedor. "Nós ouvimos depoimentos de várias testemunhas."

Experientes investigadores levantam a hipótese de que o grupo que esteve em Curitiba precisaria de especialistas que dominam as técnicas de rastreamento, e de mais tempo para extrair informações sistematizadas.

Fatos e números citados na sessão do CNJ estão no livro "Vaza Jato", de Letícia Duarte e The Intercept Brasil (págs. 238/241).

Sem citar nomes, Barroso diz que houve "uma evidente manipulação do Conselho e da jurisdição para impedir a conclusão do julgamento".

Em outubro de 2021, houve o arquivamento da reclamação, por oito votos a zero. Um ano e meio depois, o então conselheiro Mário Henrique Goulart Maia deixou o colegiado sem apresentar seu voto. O processo ficou paralisado.

Mário Henrique é filho do ministro aposentado do STJ Napoleão Nunes Maia, próximo de Renan Calheiros, Humberto Martins e César Asfor Rocha. O deputado Arthur Lira, presidente da Câmara Federal, apoiou a indicação do inexperiente advogado ao CNJ.

Faltou fundamentação em votos de conselheiros que apoiaram o afastamento dos magistrados da Lava Jato.

"Eu não acho que a manipulação de prazos para conseguir voto ou para mudar alguma coisa seja legítima. Eu não faço isso. Na vida, a gente deve viver o que prega", disse Barroso.

Salomão correu para garantir os votos dos dois conselheiros indicados pela OAB, Vinícius Jardim e Marcello Terto, cujos mandatos terminaram na semana passada.

Ao votar, Jardim disse que a corregedoria é "o órgão mais estruturado do CNJ, no aparato tecnológico, recursos humanos, orçamentários", para que "exerça suas funções sem que os demais conselheiros tenham que reprisar, refazer e revisar todos os atos".

Ainda segundo ele, a corregedoria "nos traz, no caso, presunção de veracidade".

"Me sinto muito à vontade. Eu não lerei as mais de mil folhas porque a corregedoria tem essa função", disse. "Nós temos que confiar no órgão", Terto afirmou duas vezes. "Não estamos prejulgando". Ambos acompanharam integralmente o voto de Salomão.

A conselheira Daniela Madeira, juíza do TRF-2, leu o voto a favor do afastamento dos magistrados. Ela foi juíza auxiliar de Salomão na corregedoria. É casada com o juiz aposentado do TRF-2 Marcus Lívio, sócio do escritório Salomão Advogados desde 2023.

O conselheiro Luiz Fernando Bandeira, que acompanhou integralmente o voto do corregedor, foi membro do CNMP (Conselho Nacional do Ministério Público). Foi o relator de processo disciplinar contra o procurador Deltan Dallagnol. Aliado do senador Renan Calheiros, Bandeira foi secretário-geral da Mesa do Senado.

Antes de proclamar o resultado da sessão, e prometer que traria o voto-vista em maio, Barroso afirmou:

"Se a maioria entender que deve anular o julgamento, anula o julgamento. Paciência, vou lamentar, mas faz parte da vida num colegiado. Mas eu repito que eu acho que é errado o que estará acontecendo."

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