Saúde em Público

Políticas de saúde no Brasil em debate

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Sem compromisso com a Saúde Mental no SUS, país continuará com piora dos indicadores pós-pandemia

Planos de governo devem priorizar políticas de saúde mental sólidas e contínuas

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Dayana Rosa Luciana Barrancos

As Eleições 2022 estão se aproximando. Com isso, candidatas e candidatos têm o dever de apresentar propostas aos desafios que nossa população vive diariamente, agravados por uma pandemia cruel e pela má gestão das intervenções sociais e políticas públicas no último período, que descortinou ainda mais as desigualdades e agravou os abalos à saúde mental das brasileiras e brasileiros.

A pandemia trouxe consigo o aumento nos níveis de desemprego, queda na renda, o luto, o aumento da pobreza e da fome, dentre outros fatores de risco para a saúde mental. No mundo, casos de ansiedade e depressão cresceram mais de 25% na pandemia e no Brasil, entre o período pré-pandemia e o 1º trimestre de 2022, foi registrado um aumento de 41% no diagnóstico médico de depressão - ultrapassando doenças como diabetes. Essas consequências podem ser piores para pessoas que apresentam fragilidades nas redes socioafetivas, instabilidade no emprego e dificuldades financeiras, ou ainda para aquelas que não contam com um local adequado para se manter em distanciamento social.

O terceiro diagnóstico da Agenda Mais SUS, lançado hoje (09/09) e voltado para as políticas de saúde mental, aponta os gargalos e caminhos para solucionar os atuais problemas do setor. Apesar de tantas dificuldades e necessidade de se ampliar o apoio em saúde mental, o documento mostra que há uma desatenção em relação às populações especialmente vulnerabilizadas. No que se refere ao Consultório na Rua, por exemplo, política que visa o acesso da população em situação de rua aos serviços de saúde, os dados que IEPS e Cactus obtiveram via Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527/2011), indicam que houve uma queda no investimento para esta política. Em 2019, o investimento foi de R$ 580.470.

Pouco depois, em 2021, o investimento do Ministério da Saúde na área caiu para R$ 490.436, mesmo com o número de população em situação de rua tendo crescido de forma preocupante no Brasil: segundo estimativa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), a população em situação de rua mais que dobrou entre 2017 e 2020, passando de 101 mil para 222 mil pessoas, ou seja, dobrou.

Além disso, vivemos hoje no país um processo grave de desconfiguração e subfinanciamento de serviços centrais da Política Nacional de Saúde Mental e da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), em especial desde 2017. De lá até aqui, uma série de políticas foram modificadas ou revogadas, sem debate público amplo e sem o aval do controle social na Saúde, o que fere a legislação do SUS. Ao mesmo tempo, muitas instituições privadas que atuam com caráter de hospital psiquiátrico, e que priorizam o isolamento das pessoas, vêm tendo mais investimentos públicos, via parcerias público-privadas. Em 2022, por exemplo,o Ministério da Cidadania publicou o Edital de Chamamento Público nº 03/2022, que financia com R$10 milhões Organizações da Sociedade Civil que atuam como hospitais psiquiátricos. Ou seja, é tirar de equipamentos fundamentados no cuidado territorial e comunitário do SUS para investir em "ONGs psiquiátricas" que sequer possuem um modelo adequado de implementação e/ou fiscalização de suas ações.

Movimentação de pacientes no CAPS AD (Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas) no noroeste de Campinas (SP). - Foto: Adriano Vizoni/Folhapress

Distribuídos de forma ampla e igualitária no território, precisamos de profissionais saudáveis e valorizados, que consigam absorver de forma integral a demanda de saúde mental e ter um olhar cuidadoso para o sofrimento, com destaque para os profissionais da Atenção Primária, que muitas vezes exercem o papel de porta de entrada dos serviços. Quando falamos de saúde mental, não se trata apenas de capacitar psicólogos e psiquiatras, mas de todos os profissionais que interagem com pessoas em sofrimento ou com transtorno mental. Além disso, a valorização de profissionais e o cuidado com a sua saúde mental é o primeiro passo para assegurar trabalhadoras(es) acolhedoras(es) e capazes de lidar com a saúde mental de terceiros.

Para orientar o planejamento das políticas por evidências robustas, aprimorando a tomada de decisões e a alocação de recursos na área, precisamos também garantir a existência de dados consistentes, atualizados e publicizados sobre o tema. Por meio destes, pode-se ter visibilidade dos impactos alcançados, permitindo separar as ações que promovem a diminuição da violação de direitos humanos e maior qualidade no cuidado e nos serviços, daquelas que impactam negativamente a saúde mental dos brasileiros e brasileiras.

Transformar esse cenário só será possível com reforço da RAPS, investimento em serviços no território, desburocratização para abertura de equipamentos e fortalecimento dos pontos de cuidado diante de uma crescente demanda de saúde mental nos nossos tempos. Política de Saúde Mental não pode ser só para apagar incêndio, deve haver continuidade para a construção de uma sociedade saudável e próspera, que olha também para prevenção de doenças e para a promoção de saúde. É isso que os elegíveis devem ter em mente para seus planos de governo.

Diante disso, o IEPS, a Umane e o Cactus defendem encaminhamentos possíveis que podem fortalecer a saúde pública brasileira: 1) Gerar informação e incentivar o monitoramento e fiscalização das políticas públicas de saúde mental; 2) Aprimorar a RAPS; 3) Promover políticas de treinamento e de valorização de profissionais de saúde mental; e 4) Retomar e avançar a Reforma Psiquiátrica. Essas e outras informações importantes para reverter esse cenário estão disponíveis no Diagnóstico sobre Saúde Mental no Brasil, que integra a Agenda Mais SUS: Caminhos e Evidências para Fortalecer a Saúde Pública no Brasil.

Dayana Rosa é pesquisadora de políticas públicas do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (Ieps), administradora pública, mestra e doutora em Saúde Coletiva; Luciana Barrancos é Gerente Executiva do Instituto Cactus, advogada e administradora de empresas, com MBA por Stanford, com experiência em investimentos de impacto na International Finance Corporation e em startups de saúde mental no Vale do Silício.

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