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Eficiência no SUS

É preciso aprofundar o debate sobre a eficiência para garantir melhorias efetivas no sistema de saúde brasileiro

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Em 2022, a Fiocruz lançou o livro SUS: O debate em torno da eficiência, de autoria de Alexandre Marinho e Carlos Octávio Ocké-Reis, em que se discute a eficiência do Sistema Único de Saúde (SUS). Trata-se de um importante esclarecimento sobre como encaminhar o debate sobre eficiência nas políticas de saúde. Em síntese, os autores afirmam que: "A rigor a eficiência é condição necessária, mas não suficiente para alcançar a eficácia e a efetividade das ações e serviços públicos de saúde. Em outras palavras, não basta ser eficiente se os resultados não são atingidos, tampouco se as necessidades de saúde da população não são atendidas."

Na apresentação os autores explicam o objetivo do livro " [...] nosso interesse em examinar a eficiência no Sistema Único de Saúde (SUS) se justifica pelo fato de que tal argumento é sistematicamente utilizado para defender sua mercantilização e privatização. Isso encobre, sob um viés tecnocrático, um ataque à democratização do acesso à saúde promovida pela prática da reforma sanitária brasileira". Mais à frente, dizem, "Desse modo, despida do seu rigor - vulgarizada intencionalmente ou não - a palavra eficiência tem servido de instrumento para definir ataques às políticas públicas de saúde patrocinadas pelo Estado brasileiro. A acusação frequente de ineficiência pretende deslegitimar o SUS diante das classes populares e médias, por meio da mídia corporativa, ao lado da acusação de corrupção."

Ao longo do livro vários argumentos são discutidos considerando seus impactos na eficiência, como a questão dos custos crescentes na saúde, o crônico subfinanciamento, os vários tipos de cálculo da eficiência (técnica, alocativa e de escala) e, principalmente, que a avaliação da qualidade do gasto em saúde deve levar em consideração também os conceitos de efetividade (atendimento às necessidades de saúde da população) e eficácia (objetivos e resultados pretendidos).

Por isso, os autores não aceitam que o critério de eficiência seja utilizado como justificativa para determinar corte de gastos no SUS e ressaltam que o cumprimento da missão do sistema de saúde brasileiro em garantir a universalidade, integralidade e equidade no atendimento de saúde da população não se consegue apenas com eficiência nos processos de trabalho.

É difícil discordar das afirmações dos autores para quem acompanha o debate público e já trabalhou na formulação e execução das políticas de saúde. Muitos debatedores comparam a eficiência da prestação de serviços públicos com as do setor privado como se isso fosse possível. Como as finalidades são diferentes, enquanto um objetiva o lucro e o outro cumpre função social, isso implica em modelos de gestão e valores completamente distintos. Além disso, estão submetidos a regras de gestão e controle bem diferentes.

Apesar disso, essas diferenças não impedem que as organizações públicas que prestam serviços de saúde trabalhem com o conceito de eficiência, embora com aplicações práticas diferentes do setor privado. É determinação constitucional (artigo 37) que a administração pública se oriente pelo princípio da eficiência, fato reconhecido pelos autores, de forma que qualquer recurso disponibilizado ao sistema de saúde deve ser gasto da maneira mais eficiente possível.

Bandeira do SUS (Sistema Único de Saúde) hasteada ao lado da bandeira do Brasil em frente ao Ministério da Saúde, em Brasília. - Foto: Pedro Ladeira/Folhapress

No entanto, no caso da saúde pública, não se pode comparar a prestação de serviços públicos, nem mesmo entre os Estados, uma vez que, por exemplo, as dificuldades da assistência à saúde na Amazônia são bem mais complexas que no sudeste do país. Uma solução talvez seja comparar cada Estado com ele mesmo e acompanhar a evolução dos seus indicadores ao longo do tempo.

Há alguns anos o SUS desenvolveu um índice, o IDSUS, que possibilitava comparar o desempenho dos estados e municípios considerando as especificidades de cada um, mas infelizmente o projeto foi descontinuado, ao invés de aperfeiçoado. Esse índice poderia possibilitar um debate concreto sobre as dificuldades de cada estado e município na prestação de serviços de saúde fornecendo informações relevantes para o planejamento e para a alocação de recursos orçamentários e financeiros, além de ampliar a transparência para a sociedade sobre a situação do atendimento de saúde em cada ente da federação, facilitando, assim, o controle social. No país já temos um exemplo exitoso na Educação que utiliza o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) para avaliar a qualidade dos serviços educacionais e cumprir esse objetivos.

Os autores consideram que o subfinanciamento não permite avaliar a eficiência da aplicação dos recursos no SUS. Nesse ponto, me distancio da visão deles. Na minha experiência à frente da secretaria de saúde do Espírito Santo - relatada no livro "Gestão Pública e Saúde" (FGV-2020), aprendi ser possível que cada estado, município ou unidade de saúde defina seu planejamento, indicadores e metas, considerando as limitações existentes tanto de recursos como técnicas e políticas, e os monitore e avalie periodicamente. Essa prática permite uma melhoria na prestação de serviços à população e deixa transparente para a sociedade tanto a falta de recursos, como as outras restrições existentes (políticas, institucionais e de gestão e controle) para que os cidadãos exerçam plenamente o direito constitucional à saúde. Para tanto, implantamos no Espírito Santo um projeto desenvolvido pelo Conselho Nacional dos Secretários de Saúde (CONASS) chamado de Planificação da Atenção Primária e Secundária à Saúde.

A sociedade precisa de informações qualificadas não só para exercer o controle social do sistema de saúde, mas também para defender a consolidação e a melhoria do SUS. Essa tarefa de esclarecimento e mobilização da sociedade precisa ser cumprida, principalmente, por cada Unidade Básica de Saúde (UBS), secretarias municipais, estaduais, conselhos de saúde e pelo próprio Ministério da Saúde.

Os autores tiveram o mérito de aprofundar o tema da eficiência, questão fundamental para o debate sobre a gestão, sustentação e melhoria do SUS. Essa discussão quase sempre é muito simplista e focada na falta de financiamento, o que contribui para fortalecer os interessados em enfraquecer o sistema.

O SUS tem problemas de financiamento e de gestão, como acontece com todas as políticas públicas e, ambos devem ser superados para garantir o efetivo exercício dos direitos à saúde estabelecidos na constituição.

Ricardo de Oliveira é engenheiro de produção e foi Secretário Estadual de Gestão e Recursos Humanos do Espírito Santo entre 2005 e 2010 e Secretário Estadual de Saúde do ES de 2015 a 2018. Autor dos livros: Gestão Pública: Democracia e Eficiência, FGV/2012 e Gestão Pública e Saúde, FGV/ 2020. Conselheiro do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS). Membro do comitê de filantropia da UMANE

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