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Políticas de saúde no Brasil em debate

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Uma nova governança para a Estratégia de Saúde Digital do Brasil

Criação da Secretaria de Saúde Digital promete mais fôlego, mas o desafio de transformar intenções em um plano pragmático, ágil e sustentável permanece

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Maria Letícia Machado Manuela Martins Costa Sara Tavares

A publicação da Estratégia de Saúde Digital para o Brasil (ESD28), impulsionada e, ao mesmo tempo, atravessada pela pandemia de Covid-19, é o resultado do amadurecimento de anos de discussões e iniciativas governamentais sobre o tema. A partir da Política Nacional de Informação e Informática em Saúde, publicada em 2015, e em revisão à Estratégia e-Saúde para o Brasil, de 2017, o documento busca alinhar em uma só visão os caminhos a serem percorridos para a transformação digital da saúde no Brasil em um prazo de oito anos.

Mais recentemente, a criação de uma Secretaria de Informação e Saúde Digital na estrutura do Ministério da Saúde representa um sinal claro de um maior destaque para o tema na nova gestão federal. Nesse cenário, a principal recomendação no tópico de governança e liderança para a transformação digital do SUS, a prioridade número 1 da ESD28, é converter a Estratégia de um protocolo de intenções em um plano pragmático e ágil.

Ainda que a institucionalização da ESD28 tenha, nos últimos dois anos, gerado resultados concretos no avanço da informatização e da interconectividade — como, por exemplo, a disponibilização de prontuário eletrônico gratuito para o nível da Atenção Primária à Saúde — a sua governança carece de adequações quanto ao ritmo de execução dos projetos e a distribuição de papéis e responsabilidade entre os entes federativos. Tais adequações passam por três caminhos principais:

O primeiro diz respeito ao ganho de capilaridade no território nacional por meio do fortalecimento da articulação tripartite do Estado brasileiro. Isso significa dar maior protagonismo aos estados e municípios na elaboração e operacionalização de projetos em saúde digital e maior transparência ao calendário de atualizações do ConecteSUS. Além disso, pouco se avançou em termos de promoção ativa de um ambiente de inovação capaz de agregar aprendizados do Monitoramento e Avaliação da própria ESD28, de iniciativas realizadas pelos entes subnacionais, organizações do setor privado e/ou universidades.

No primeiro plano da imagem, há um celular em um suporte com a imagem de um médico em teleatendimento. No segundo plano, um notebook com uma estetoscópio vermelho.
Saúde Digital: Brasil ainda precisa enfrentar o desafio de transformar intenções em um plano pragmático, ágil e sustentável - Foto: Marcello Casal Jr/Agência Brasil

No segundo caminho, observado o descompasso tecnológico entre os serviços de saúde pública e suplementar, é preciso garantir que o arcabouço legal da Saúde avance em ritmo adequado às inovações de mercado, favorecendo a adoção de novas tecnologias e a interoperabilidade entre os sistemas de informação existentes. A regulamentação recente da telessaúde, por exemplo, praticada há mais de uma década no Brasil, representa um avanço na ampliação das formas de prestação de serviços em saúde. Apesar disso, persistem questionamentos relacionados à segurança no tratamento e compartilhamento de dados obtidos durante os atendimentos. Por sua vez, o conjunto de projetos de Lei em tramitação na Câmara dos Deputados sobre a integração de informações do SUS, entre eles o Projeto de Lei n. 5875/13 e o Projeto de Lei n. 3814/20, esbarra em questionamentos de teor similar.

Assim, um ponto de inflexão para destravar a adoção de novas tecnologias de informação e comunicação como ferramentas auxiliares no cuidado em saúde gira em torno do que é possível concluir, para o campo da saúde, das experiências obtidas a partir da Lei de Proteção de Dados e do Marco Civil da Internet e da retomada da RIPSA como um ambiente chave para a elaboração de mecanismos de qualificação das informações em saúde de maneira participativa.

Conheça o Programa TechSUS, uma iniciativa do IEPS para contribuir com a transformação digital da saúde no Brasil

Por fim, o terceiro caminho diz respeito à realização de ações de literacia em saúde digital, que favoreçam a adesão aos serviços pelos usuários, sejam estes profissionais de saúde ou consumidores dos serviços de saúde digital, e proporcionem uma maior participação desses atores no desenho das soluções adequadas às necessidades reais.

Do ponto de vista do consumo dos serviços de saúde, a literacia em saúde digital importa para mitigar potenciais desigualdades de acesso, ao menos no que se refere às barreiras de informação e compreensão do itinerário terapêutico mediado por tecnologias. Já no que diz respeito à capacitação de recursos humanos, existe a previsão de um déficit, no curto prazo, de 84% na oferta de profissionais de assistência médica digital. Esses profissionais atuam no diagnóstico, prescrição e administração de tratamentos, apoiados por inteligência artificial e por médicos acessíveis remotamente e demandam uma formação especializada. Um fator que contribui para esse déficit é a inexistência de um plano articulado de Educação Permanente para a atuação em saúde digital, sendo que as oportunidades de capacitação são disponibilizadas de maneira pontual, a partir de iniciativas como os cursos ofertados pela rede UNASUS.

Em síntese, os trabalhos da nova Secretaria devem estar focados na ampla articulação nos territórios para que os projetos de saúde digital ganhem mais aliados; na elaboração de novos instrumentos regulatórios que possibilitem que as inovações sejam seguramente implementáveis; e no preparo de ambos, a força de trabalho e do usuário-consumidor do sistema de saúde, para a cocriação e utilização plena dos serviços de saúde digital. Esses três caminhos, se pavimentados em solo firme, tem o potencial de fazer com que os benefícios do modelo sejam mais rapidamente percebidos nos diferentes setores e na vida das pessoas e que esses ganhos, à despeito da rapidez em que a tecnologia avança, sejam resilientes e duradouros.

Maria Letícia Machado é Gerente do Programa TechSUS do IEPS; Manuela Martins Costa é consultora em saúde digital do Programa TechSUS do IEPS; Sara Tavares é Analista de Políticas Públicas do IEPS.   

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