Saúde em Público

Políticas de saúde no Brasil em debate

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Descrição de chapéu desigualdade de gênero

Legislativo precisa trabalhar em prol da saúde mental de meninas e mulheres

Apenas 8,7% das propostas legislativas são voltadas para mulheres. E nenhuma delas para as meninas brasileiras

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Dayana Rosa Luciana Barrancos

Mulheres vítimas de violência são mais suscetíveis a desenvolver depressão. Essa é uma das conclusões apresentadas em artigo, assinado por pesquisadores do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e publicado na revista científica International Journal for Equity in Health. De acordo com o estudo, no Brasil, a chance de estar deprimida é 3,8 vezes maior entre mulheres vítimas de violência do que entre as não vítimas; 2,3 vezes maior entre as mulheres do que entre os homens; e mulheres jovens, negras e de baixa renda que são vítimas de violência possuem maior probabilidade de estarem deprimidas.

Contra meninas, o abuso infantil é particularmente preocupante. Um boletim epidemiológico divulgado pelo Ministério da Saúde, considerando apenas os dados entre janeiro e abril de 2023, apontou um crescimento de 70% nos casos de violência sexual contra crianças e adolescentes em relação ao mesmo período do ano anterior. Além disso, foram contabilizados 202.948 notificações nos últimos sete anos em todo país - quase 80 casos por dia no período. Destes, 64.230 (76,9%) foram contra meninas de 0 a 9 anos e 19.341 (23,1%), contra meninos da mesma faixa etária. O impacto na saúde mental é expressivo: o levantamento Caminhos em Saúde Mental, produzido pelo Instituto Cactus e pelo Instituto Veredas, aponta que mulheres que foram expostas a violências na infância apresentam maior risco para revitimização na vida adulta, não raro apresentando episódios depressivos, de ansiedade, estresse ou relações prejudiciais com a alimentação e drogas.

Ainda segundo este estudo, além da violência, outros fatores estruturais também impactam a saúde mental das mulheres, como é o caso da sobrecarga doméstica e a precariedade das oportunidades de emprego, principalmente em relação à informalidade, à temporalidade e à fragilidade dos contratos de trabalho, tornando os padrões de carreira irregulares.

Menina no projeto "Nova" que acolhe vítimas abuso. - Foto: Mathilde Missioneiro/Folhapress

Dados como esses mostram que devemos abordar a saúde mental das mulheres para além da perspectiva biológica. Isso porque há fatores estruturais, como o caso de violências e abusos, que impactam de forma relevante o bem-estar físico e emocional das brasileiras. Diante disso, é imprescindível que o Legislativo nacional esteja atento às demandas e a dura realidade de muitas meninas e mulheres Brasil afora. Só assim, será possível endereçar caminhos e soluções para as questões que envolvem a saúde mental dessa população a partir de uma perspectiva ampla e integral de garantias.

Infância e adolescência negligenciadas: não existem propostas no Legislativo para promoção e cuidado da saúde mental de meninas

A partir de um levantamento das propostas legislativas que estão atualmente em tramitação no Congresso Nacional, foram encontrados 448 resultados sobre saúde mental. Na Câmara dos Deputados, apenas 39 propostas referiam-se a mulheres e nenhuma fazia menção a meninas. No Senado o cenário é ainda pior, já que nenhuma proposta para esses grupos sociais foi identificada. Ou seja, apenas 8,7% das propostas de saúde mental tramitando no Congresso são voltadas para o público feminino e nenhuma delas versa especificamente para uma fase relevante na vida dessas mulheres: a infância e adolescência. Ademais, há uma visão ainda parcial de como se abordar o tema: das 39 propostas atuais tramitando na Câmara, apenas 5 (12,8%) não relacionam as mulheres à violência.

Hoje, o quadro de propostas legislativas sobre saúde mental de meninas reforça o a negligência histórico de seu reconhecimento enquanto sujeitas de direitos políticos e psíquicos. E, ao mesmo tempo, mesmo focando seus esforços em ações referentes às mulheres em contexto de violência, mostram-se insuficientes qualitativa e quantitativamente. Por mais que as leis brasileiras tenham evoluído bastante nos últimos anos, sobretudo na criminalização dos agressores, precisamos avançar em ações concretas que promovam um país seguro e com saúde mental para meninas e mulheres.

É preciso que os representantes do Poder Legislativo deem prioridade para o tema e incluam medidas de prevenção de doenças e promoção de saúde mental para meninas e mulheres. Essa é uma agenda que deve ser prioritária no Congresso Nacional e que deve ser construída, a partir de uma perspectiva integral de cuidado, dando voz e protagonismo às meninas e mulheres.

Estamos exaustas por pensar muitas vezes antes de escolher a roupa com que sair, exaustas de sentir medo por andar sozinhas nas ruas, exaustas de confortar nossas amigas vítimas de violências e exaustas de tentar sobreviver a isso tudo. Mas também estamos exaustas por não termos leis adequadas e consistentes de prevenção e promoção de saúde mental.

Dayana Rosa é especialista em relações institucionais e saúde mental no Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), mestre e doutora em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bacharel em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Possui experiência em políticas públicas para saúde mental, álcool e outras drogas;  Luciana Barrancos é gerente executiva do Instituto Cactus, graduada em Direito e Administração de Empresas pela FGV e com MBA por Stanford. Possui experiência em investimentos de impacto, saúde mental, direito e gestão.

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