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O problema do Setembro Amarelo

Políticas de prevenção ao suicídio devem ser assunto para o ano todo

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Dayana Rosa Filipe Asth Rebeca Freitas

Luzes e broches amarelos decoram prédios públicos e camisetas em setembro. O mês foi escolhido para somar esforços na prevenção ao suicídio, a partir de uma campanha da Associação Brasileira de Psiquiatria criada em 2014. Contudo, a efeméride é alvo de críticas quanto à sua resolutividade. Que um símbolo produz efeitos, sabemos. Mas isso seria suficiente para, concretamente, evitar tentativas e mortes por suicídio? Existem políticas públicas suficientes para isso no Brasil?

O Estado pode e deve diminuir o sofrimento das pessoas

Primeiramente, o sofrimento faz parte da existência. Essa afirmativa pode ser verificada em diversas culturas e religiões. O que muda é a forma que lidamos com o sofrimento, a começar, por exemplo, pela sua definição, se é coletivo ou individual. As políticas públicas de saúde mental devem compreender ambas dimensões, contudo, se o aspecto coletivo não é contemplado em suas ações, a política inevitavelmente falhará.

Se alguém próximo de nós está sofrendo, isso também nos impactará direta ou indiretamente. Um parente que foi afastado do trabalho por depressão impactará as finanças e as dinâmicas familiares e do cotidiano doméstico. Um amigo que está de luto demandará mais atenção do seu grupo. A mãe que começou a sentir os efeitos do envelhecimento precisará de maiores cuidados dos seus filhos. Todas essas situações remetem para um fato que une a todos nós: viver em sociedade requer um pacto coletivo. O sofrimento é inerente à natureza humana, mas o Estado pode e deve diminuí-lo.

Não falar sobre suicídio não o previne

Há registro de suicídios desde a Antiguidade e seus significados e motivações variaram com a história — ora sendo visto como um ato de coragem, ora como covardia. Pecado ou crime. Em "O mito de Sísifo", de Albert Camus, a questão do suicídio é o tema principal do que o filósofo denomina como um "ensaio sobre o absurdo": "Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia". O suicídio está mais presente em nossas vidas do que imaginamos ou gostaríamos. O fato é que deixar de falar sobre suicídio não o previne, e falar não incentiva.

Recentemente, o metrô do Rio de Janeiro ficou paralisado por algumas horas por "acesso indevido na via". A empresa responsável pelo serviço não deu detalhes sobre o ocorrido, mas, como diz o ditado, "para bom entendedor, meia palavra basta" e alguns poucos se atreveram a falar de um possível suicídio. Na mesma cidade está a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), que recebeu redes de proteção em seus 13 andares. Na época, não houve um comunicado oficial sobre o motivo da contenção, mas a comunidade acadêmica já sabia a razão: prevenção de suicídios - que acontecem de forma recorrente. É preciso abrir o diálogo sobre o assunto. Se não abordamos e investigamos o tema, não há evidência científica que subsidie políticas públicas de prevenção do suicídio. E, afinal, quais são as evidências no Brasil?

O silêncio sobre o suicídio prejudica mais os policiais, idosos, indígenas e jovens negros

O número de suicídios no Brasil cresceu 11,8% em 2022 na comparação com 2021. O levantamento faz parte do Anuário Brasileiro de Segurança Pública, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em julho deste ano. Foram 16.262 registros, uma média de 44 por dia. No ano anterior, foram 14.475 suicídios. Em termos proporcionais, o Brasil teve 8 suicídios por 100 mil habitantes em 2022, contra 7,2 em 2021. A pesquisa também apontou que de 2020 para 2021, houve um aumento de 55,4% no número de suicídios de policiais na ativa.

A pandemia de Covid-19, para além das mortes diretamente causadas pela doença, também ocasionou mortes indiretas, com as por suicídio, segundo especialistas. Em pesquisa da Fiocruz, utilizando dados oficiais de mortalidade do Ministério da Saúde, foi estimado o excesso de suicídios no Brasil no primeiro ano de pandemia. O estudo constatou também um aumento significativo nas regiões Norte e Nordeste, regiões socioeconomicamente mais vulneráveis, e dentre a população idosa de ambas as regiões. Esses dados reforçam a necessidade de olhar para o suicídio não como um problema de ordem individual, mas que se relaciona profundamente com fatores sociais e de acesso a serviços de saúde mental.

Em 2018, índios da etnia Hupdas acampados em São Gabriel da Cachoeira (AM), para onde se deslocavam para sacar Bolsa Família, aposentadoria rural e outros benefícios; viagens à cidade costumavam durar semanas e estavam relacionadas ao aumento do alcoolismo e do suicídio. - Foto: Eduardo Anizelli/ Folhapress

Outro índice preocupante é de suicídio entre pessoas indígenas, que é 3 vezes maior do que a média nacional. Um levantamento de 2018 do Ministério da Saúde, mostrou que esse é o grupo que mais comete suicídio (15,2 óbitos/100 mil habitantes), quando comparados com brancos (5,9/100 mil habitantes) e negros (4,7/100 mil habitantes). A mesma pesquisa mostrou que o risco de suicídio entre jovens negros do sexo masculino com idade entre 10 e 29 anos é 45% maior do que entre jovens brancos da mesma faixa etária.

O problema também já começa a afetar profissionais da saúde, ou seja, quem está na linha de frente do atendimento. Segundo estudo publicado no The Journal of the American Medical Association (JAMA), em 2021, aproximadamente 1 a cada 10 estudantes de Medicina, 1 a cada 4 internos e 1 a cada 16 médicos relataram algum grau de ideação suicida.

Os dados são alarmantes e o problema afeta diversas parcelas da sociedade brasileira. Ainda assim, muito pouco se fala sobre o suicídio. Diante desta grave realidade, além do "não falar" há a possibilidade do "não fazer" e perder a oportunidade de acolher as pessoas que estão em sofrimento. O que tem sido feito?

Criar uma cultura do cuidado coletivo e políticas públicas que possibilitem a vida

Em 2019 foi aprovada a Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio e, este ano, foi aprovada a Lei de Prevenção ao Suicídio de Policiais. Em ambos os casos, é preciso que o Governo Federal avance na sua implementação junto aos estados e municípios. Além disso, foi proposto no Senado Federal o Projeto de Lei (PL) nº 1773/2022, que institui a Política Nacional de Combate ao Suicídio de Crianças e Adolescentes, mas o PL está parado desde julho.

Hoje, o Ministério da Saúde conta com convênio com o Centro de Valorização da Vida (CVV 188), um canal de comunicação gratuito para oferecer apoio emocional e contribuir para a prevenção do suicídio. Mas entendendo que as condições de saúde mental são determinadas por fatores externos e estruturantes como acesso a emprego, renda e lazer, é preciso que o Governo Federal continue avançando nas políticas de transferência de renda, do resgate da cultura enquanto um direito da população e que incentive, institucionalmente, o acolhimento.

Criar uma cultura do cuidado coletivo é desafiador porque para isso acontecer a qualidade de vida precisa melhorar. É preciso que haja integração entre os Poderes, Ministérios e programas de saúde para que haja efetividade das ações do poder público em prol da diminuição do sofrimento do povo brasileiro. Mas mais do que aprovar leis e implementar políticas, é necessário fortalecer valores de acolhimento e diálogo na nossa sociedade.

Se a vida importa e deve ser protegida, precisamos ser a favor da vida o ano inteiro e todos os dias defender as tantas formas de vivê-la. Ser a favor da vida é ser a favor da saúde pública, do fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS), da diminuição das desigualdades sociais, do racismo, da LGBTfobia, da misoginia e promover a inclusão e condições de trabalho mais dignas e saudáveis.

Esperamos que esse artigo sirva como estímulo para o debate e a construção de políticas públicas comprometidas com o desafio de informar e prevenir o suicídio. Se este texto te provocou algum gatilho e você precisa de ajuda, busque sua rede de apoio e, em caso de emergência, ligue para 188 (CVV) e/ou procure atendimento na unidade de saúde mental do SUS mais próxima de você, clicando aqui.

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Dayana Rosa é especialista em relações institucionais e saúde mental no Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), mestre e doutora em Saúde Coletiva pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e bacharel em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Filipe Asth é psicólogo, doutor em políticas públicas e consultor do IEPS, exercendo a função de Secretário Executivo da Frente Parlamentar Mista para a Promoção da Saúde Mental; Rebeca Freitas é Diretora de Relações Institucionais no Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS), pós-graduanda em Direito Sanitário pela Universidade de São Paulo (USP), mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e em Ciências Sociais pela Fundação Getúlio Vargas (FGV).

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