O funk de São Paulo sempre esteve ligado à moda. Os versos da música "Bonde da Juju" da dupla Backdi e Bio-G3, de 2010, por exemplo, apresentam os itens indispensáveis para os frequentadores dos bailes, como "tá de Juliet, Romeu 2 e Double Shox, 18K no pescoço de Eckö e Nike Shox".
Esses itens se tornaram símbolos de um movimento a ponto de serem usados por políticos durante pré-campanhas —o presidente Lula (PT) e o vice Geraldo Alckmin (PSB) usando óculos Juliet, da marca Oakley, em 2022, são exemplos desse fenômeno.
Não se sabe ao certo quando essa estética teve início, mas se pode dizer que é um estilo que perdura por mais de 20 anos nas periferias de São Paulo. Reinventar a moda periférica, nesse contexto, sem perder toda a simbologia e permitindo que os mais jovens continuem conectados ao modo de se vestir, é um trabalho que precisa partir da própria comunidade para a comunidade.
No Grajaú, bairro do extremo sul de São Paulo, no último dia 21 de julho, a marca de roupas Mile Lab e o coletivo Vivência Lab, lançaram uma pesquisa sobre o consumo das marcas na geração Z na periferia. Além dos dados, Milena Nascimento, estilista da marca, apresentou a coleção "Espetáculo Submundo", unindo toda a estética comum no funk de paulistano.
O evento surge como uma forma de celebração dos seis anos da marca. "Este é o nosso verdadeiro manifesto, a periferia vem mais uma vez quebrando estatísticas e reafirmando nossa relevância em temas como moda e pesquisa", diz Nascimento.
A estilista de 25 anos que diz produzir "moda marginal" já teve seus trabalhos nas passarelas do São Paulo Fashion Week, em 2021. Suas referências são vestimentas tradicionais de herança afro e a expressão autêntica do corpo periférico. "Esse evento vem como uma forma de honrar Esú [outro nome dado ao orixá Exu, entidade do candomblé e da umbanda], das encruzilhadas, aquele que abre nossos caminhos e nos permite pisar com firmeza. Esú é a sexualidade que pulsa na favela, Exu é a própria rua", afirma Nascimento, sobre a importância do dia.
A nova coleção refere-se à energia noturna das periferias e aos caminho que jovens periféricos percorrem, com bailes, sambas e giras —nome dado a rituais de religiões com matriz africana. "Proporcionamos um desfile que retrata a subjetividade do cotidiano marginal e ancestral, o que para muitos a noite pode ser o estado de descanso, ou perigo para o favelado, é quando seu coração pulsa mais forte, na vontade de viver acima do medo", afirma a estilista.
Para Wes Xavier, 27, a moda vai muito além de tendências. Idealizador do evento coletivo e responsável pela divulgação da pesquisa "Hábitos de Consumo de Moda da Gen Z Periférica", Xavier comenta que a geração de periféricos utiliza seu poder de consumo para marcar o mundo que desejam viver. "A forma de utilizar determinada marca na avenida Paulista ou nos bairros nobres, por exemplo, permanece igual, mas difere consideravelmente da maneira como é usada nas ruas das comunidades periféricas", comenta o pesquisador.
O objetivo da pesquisa apresentada durante o evento é compreender a perspectiva e o comportamento de jovens favelados nascidos entre 1995 e 2010, abrangendo diferentes perfis, desde consumidores até criadores e pessoas que ditam tendências, que operam e influenciam um ecossistema paralelo aos canais de comunicação tradicionais.
Os dados da pesquisa foram colhidos nas periferias de São Paulo e serão lançados em forma de ebook no dia 20 de agosto, acompanhada de um vídeo mostrando o processo de metodologia usado pelo pesquisador.
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