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A quem interessa impedir o acesso aos microdados do Inep?

Suspensão do acesso a dados educacionais pelo governo federal é preocupante

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O levantamento de informações confiáveis para a produção de diagnósticos e a elaboração de indicadores é uma medida estratégica para guiar o planejamento e a tomada de decisões e, por isso, tem sido uma preocupação constante de administradores e cientistas, e mesmo por parte da população em geral. Na sociedade contemporânea, em qualquer atividade, é praticamente impossível planejar e tomar boas e acertadas decisões sem o acesso a informações relevantes, precisas, atualizadas e que permitam a compreensão histórica de um fenômeno que se quer conhecer e/ou intervir.

Mal comparando, acreditar que seja possível planejar uma ação ou política e tomar uma decisão sem dispor de informações ou diagnósticos prévios é o mesmo que esperar uma viagem bem-sucedida de um piloto de avião, sem que disponha de um plano de voo e que os controladores aéreos estejam informados.

Quando pensamos na elaboração de políticas públicas, a coleta e a divulgação de informações servem também para democratizar o conhecimento a respeito da realidade social sobre a qual se deseja atuar, além de viabilizar o diálogo entre governos e sociedade, beneficiando e estimulando a participação popular nos processos de formulação, monitoramento e avaliação de políticas públicas.

Na área da Educação, desde a década de 1990, o Ministério da Educação (MEC) tem se dedicado à produção de dados educacionais de muita relevância, por meio da atuação do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Esses dados vêm permitindo à sociedade e ao poder público acompanhar, entre outros fatores, as matrículas de estudantes e suas trajetórias, as condições de trabalho dos profissionais da educação e a sua formação, as condições de infraestrutura das instituições de ensino e o seu financiamento, os resultados de avaliações externas de estudantes, instituições e redes de ensino, em todos os níveis educacionais.

São indicadores que viabilizam mensurar algumas dimensões importantes da qualidade educacional, nos setores público e privado, e permitem a regulação, a proposição e a cobrança, quando necessário, de novas medidas que corrigem rumos no sentido de enfrentar as desigualdades existentes na nossa população e garantir o direito à educação a todos(as) os(as) brasileiros(as).

Entretanto, no início desta semana, fomos surpreendidos com a decisão do MEC e do Inep de retirarem do ar o acesso às séries históricas dos diversos microdados educacionais além da publicação parcial das informações coletadas para o Censo Escolar de 2021 e para o ENEM 2020. A justificativa para tal decisão centrou-se no argumento de que as informações presentes nos microdados, se submetidas a vários tratamentos estatísticos, trariam um risco de identificação de estudantes dos diversos níveis de ensino - com chances de sucesso de identificação do(a) estudante que podem variar entre 29,64% a 75,51%, a depender da combinação entre informações presentes nos bancos, tais como o mês, o ano de nascimento, o código da instituição de matrícula etc. Segundo a autarquia, esse risco contraria a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD - Lei n. 13.709, de 14/08/2018).

ilustração com fundo amarelo contendo telas de sistemas e alertas
Créditos: Daniel Bueno/SoU_Ciência

No entanto, de acordo o Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, a justificativa para a retirada dos dados (LGPD) é "equivocada e compromete a transparência das políticas públicas de educação". Se a lei determina que o tratamento de dados pessoais deve respeitar o interesse público, é preciso, então, considerar que os benefícios gerados com as bases de dados do Inep são infinitamente superiores que os riscos mencionados pelo órgão, não devendo, portanto, ganhar primazia sobre o interesse geral. O SoU_Ciência se manifestou publicamente sobre o assunto.

Diante disso, as questões que se colocam são a necessidade e o tempo que o Inep levará para garantir a anonimização dos dados pessoais e a privacidade dos cidadãos(ãs) brasileiros(as) nos microdados, e, com isso, continuar assegurando a transparência e o acesso a informações, sem que os dados percam relevância, precisão e comparabilidade.

Esperamos, no mínimo, que a retirada dos microdados do site do MEC e Inep seja temporária e breve para que os órgãos federais não sigam na contramão das boas práticas de gestão pública, mas continuem a garantir a capacidade de governos municipais e estaduais de fazerem uso dessas ferramentas gerenciais, assim como a possibilidade de fiscalização, controle e acompanhamento da gestão pública da educação brasileira em todos os níveis de ensino pela sociedade e pesquisadores(as) interessados(as) na oferta de educação de qualidade para todas as pessoas.

A preocupação procede quando sabemos que o governo já perdeu dados após ataque hacker, no caso da vacinação, ou o fez voluntariamente, como no caso do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) quando, influenciado pelo agronegócio, transferiu os dados de monitoramento ambiental sobre queimadas e desmatamentos do Ministério da Ciência e Tecnologia para a Agricultura. Agora, vivemos o bloqueio parcial dos dados da educação.

Como indicado pelo ex-Ministro da Saúde, Arthur Chioro, a consequência do ataque ao sistema nacional de informação do Ministério da Saúde foi que "todas as ações prévias necessárias para o enfrentamento da nova onda de Covid-19 – expansão de leitos, contratação de profissionais e compra de insumos extras – foram prejudicadas pela falta de dados".

A quem interessa todos esses apagões? No caso do MEC, trata-se de zelo por atender a LGPD ou parte do enunciado projeto de "desconstrução" das instituições pelo presidente ? Estamos diante de uma fragilização da gestão de dados e análises na educação que pode dificultar o desempenho das instituições no presente e no futuro.

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