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Cenário trágico no EAD, mas conhecido

71% de concluintes no EAD de faculdades privadas têm notas 1 ou 2 no Enade 2021

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Ilustração retrata a complexidade do Ensino a Distância (EAD) em instituições privadas. A imagem contém uma estudante lendo/analisando um caderno sobre mesa, um notebook ao lado direito e alguns elementos que remetem à plataforma online.
Meyrele Nascimento/SoU_Ciência

Para além do trágico resultado no Ensino a Distância em instituições privadas, com mais de 2/3 dos cursos com notas abaixo do aceitável, na outra ponta do Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade) realizado em novembro 2021, apenas 0,1% dos jovens concluintes de cursos de graduação privados oferecidos a distância no Brasil tiveram nota máxima no Exame.

Cenário trágico e bem conhecido, tanto pelos educadores quanto pelas autoridades, que confirma nova e infelizmente os resultados de uma das pesquisas publicadas pelo SoU_Ciência.

Aprofundando a análise dos resultados das IES privadas, notamos que melhoram irrisoriamente quando o foco recai sobre os cursos presenciais: 39,2% dos concluintes dessas Instituições obtiveram conceitos insatisfatórios (1 e 2) e menos de 2% tiveram a nota máxima no Exame (nota 5).

Mas quando observamos os cursos presenciais de universidades públicas, o cenário felizmente se altera: a nota máxima 5 é obtida por quase 10% dos concluintes (5 vezes mais do que os egressos das instituições privadas) e são apenas 19% que obtêm notas 1 e 2 (menos da metade das privadas).

Mas por que isso ocorre?

As notas estão, sem sombra de dúvida, relacionadas às características das instituições superiores e da formação que oferecem. No caso das privadas com fins lucrativos, verificamos que empregam pouquíssimos docentes com título de doutor ou que tenham dedicação exclusiva às atividades que desempenham e sofrem com o alto número de estudantes pelos quais são responsáveis, impedindo um acompanhamento e avaliação processual mais cuidadosa. Além disso, quase não realizam atividades de pesquisa e pós-graduação, ou seja, nem sempre estão atualizados em relação a suas áreas e produzindo conhecimento, o oposto do que ocorre nas Universidades públicas.

O pouco investimento no corpo docente e em pesquisa, aliado ao aumento exponencial de cursos massificados em EAD, são caminhos que elevam os lucros das instituições privadas, entregam diplomas de má qualidade e respondem apenas às pressões do mercado educacional. O EAD nas instituições privadas é o novo filão de negócios, com redução de custos de pessoal e infraestrutura, mensalidades mais baratas, alcançando um público novo, mas que receberá, na ampla maioria dos casos, formação de má qualidade ou inadequada para sua formação. Providências claras para mudar essa situação predatória e pouco regulada deveriam estar nas agendas dos presentes e futuros governantes.

Já mostramos que a modalidade de Educação a Distância teve um enorme crescimento nos últimos anos, o que tem se refletido também no número de concluintes que participam do Enade. Na edição de 2021, 49,8% dos participantes finalizaram as suas graduações em cursos a distância, sendo que deles 90% estavam matriculados em instituições privadas e 76% em instituições com fins lucrativos.

Tanto o Enade 2021 como os anteriores mostram que a qualidade da formação em EAD das privadas com fins lucrativos é bem inferior aos seus próprios cursos presenciais, mas, sobretudo, a qualidade é baixíssima se comparada à formação oferecida pelas Universidades públicas.

O atual ciclo do Enade avaliou Bacharelados, Licenciaturas e Tecnológicos de diversas áreas: Química, Física, Matemática, Filosofia, Geografia, História, Letras, Educação Física, Pedagogia, Artes Visuais, Música e Design e Ciências Sociais, Biológicas, da Informação e da Computação.

O mais desastroso, portanto, é verificar que praticamente todos os cursos de formação de professores da Educação Básica brasileira foram avaliados nessa edição do Exame: 75% dos participantes eram licenciandos. Desses, 66% finalizaram seus cursos em instituições privadas. Um cenário que indica, infelizmente, o quanto temos a temer pela qualidade da formação a ser recebida pelas nossas crianças e jovens com professores formados nessas condições.

Os resultados obtidos pelos participantes matriculados nas Licenciaturas das IES privadas com fins lucrativos não nos deixam mentir. De 37 mil formados para serem professores, quase 19 mil tiraram notas abaixo do aceitável e apenas 900 alcançaram o patamar de qualidade. Vejamos:

Gráfico mostra dados do Enade 2021, com informações sobre as licenciaturas por modalidade de ensino nas IES privadas com fins lucrativos.
Enade 2021 - Licenciaturas por modalidade de ensino nas IES privadas com fins lucrativos - Meyrele Nascimento/SoU_Ciência

As aulas estão sendo oferecidas em classes repletas de estudantes, na modalidade EAD por vezes milhares de alunos para um único docente, que se responsabiliza por disciplinas de mais de uma área do conhecimento, não sendo, portanto, um especialista. Com isso, o conteúdo é superficial e não ultrapassa manuais das suas respectivas áreas, resultando numa formação medíocre e que repete o senso comum. Nessas IES, muitos estudantes são de menor renda, tiveram escolarização básica precária e por isso deveriam ter acompanhamento mais próximo e atividades complementares, em um projeto pedagógico que considerasse essa condição. Mas o que ocorre é o contrário, a massificação, padronização e impessoalidade na formação com conteúdos empacotados industrialmente.

Os Conselhos Profissionais estão igualmente apreensivos e mesmo contrariados em dar registro e carteira profissional para diplomados por EAD. Formados a distância em profissões aplicadas, como engenharias, arquitetura e urbanismo, odontologia, entre outras, estariam aptos a exercer sua profissão com a responsabilidade, perícia e competência devidas? Alguns dos Conselhos estão na justiça tentando impedir o registro profissional de formados em EAD, mas enquanto o MEC mantiver a autorização, eles têm perdido a batalha nos tribunais. Cabe a pergunta sobre a motivação de tal permissividade do MEC, desde o governo Temer, em autorizar indiscriminadamente cursos e vagas em EAD, e a quem isso interessa. Apenas a Medicina conseguiu resistir aos negócios de educação a distância.

É por isso que, entre outros pontos, nós do SoU_Ciência e de outras 20 entidades que compõe nosso Conselho da Sociedade propomos aos futuros governantes: 1) rever o sistema de regulação e supervisão da Educação Superior privada, em especial da Educação a Distância, estabelecendo procedimentos de controle da qualidade dos cursos; 2) rever a autonomia de abertura de novos cursos por IES de baixa qualidade; 3) regular o número máximo de matriculados por docente, garantindo a qualidade do processo de ensino-aprendizagem e que 4) os sistemas de avaliação considerem que o setor privado deve seguir a ótica pública da educação como bem social, sendo o setor público a referência de qualidade para os demais.

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