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Nosso legado ambiental: a hora é agora

Aprovações do Congresso colocam em risco meio ambiente e povos originários

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Soraya Smaili Pedro Arantes Maria Angélica Minhoto Com a colaboração de Décio Semensatto
São Paulo (SP)
Paisagem urbana formada por recortes de papel simulando prédios, morros e árvores.
Meyrele Nascimento/SoU_Ciência

As recentes aprovações no Congresso Nacional do marco temporal da demarcação das terras indígenas e alterações na estrutura e atribuições do Ministério dos Povos Originários e do Ministério do Meio Ambiente, claramente enfraquecendo sua capacidade de atuação, fiscalização e orientação do desenvolvimento sustentável, são muito preocupantes. Mais uma vez, a "boiada" está pronta para "passar", mas agora com o Congresso tensionando o governo recém-eleito. O risco, novamente, é de retrocedermos décadas, comprometendo a agenda vitoriosa na eleição, favorável ao crescimento baseado em energias renováveis, tecnologias limpas e economia verde, combatendo a injustiça socioambiental.

Nas últimas cinco décadas, em vários momentos os temas ambientais tiveram destaque no cenário geopolítico global. Dentre eles, destaca-se a busca de conciliação entre pautas econômicas e a conservação da Natureza. Deste esforço surgiram paradigmas importantes, como o "desenvolvimento sustentável", que recentemente tem sido substituído por novas propostas, como a de "sociedades sustentáveis". Nela, a Economia Circular e a Bioeconomia substituem os preceitos já ultrapassados da economia neoliberal ou do neodesenvolvimentismo.

O Dia Mundial do Meio Ambiente, celebrado no dia 05 de junho, marca o momento de reflexão sobre os rumos que a sociedade decide seguir. O que escolhemos revela nossa essência e nosso legado. O dia foi criado em 1972 pela ONU na histórica Conferência de Estocolmo para nos estimular a fazer melhores escolhas.

Mas, o que de fato fizemos desde então e especialmente nos últimos anos, quando a agenda ambiental ficou escancarada a partir das evidentes mudanças climáticas que atualmente não conseguimos mais refutar?

Recentemente, o Brasil atravessou uma fase tenebrosa no campo ambiental e da garantia de direitos dos povos originários e tradicionais, em que instituições federais foram desmontadas para "passar a boiada". As consequências muito graves englobaram desde o aumento do ritmo de desmatamento na Amazônia até o reforço do genocídio indígena. Esses fatos repercutiram negativamente no exterior e se traduziram em pressões políticas e econômicas sobre o Brasil. Também resultaram em entraves relevantes, como no impasse entre o Mercosul e a Comunidade Europeia, e a suspensão do financiamento do Fundo Amazônia

Nas Universidades públicas, responsáveis por 80% da pesquisa nacional, inclusive na área ambiental, verificamos também uma situação de grandes dificuldades orçamentárias. As Universidades Federais sofreram com o corte direto nos seus orçamentos, bem como nas Agências de Financiamento Federais (CAPES, CNPq, FINEP). As Universidades Estaduais foram atingidas se não diretamente nos orçamentos, mas também no financiamento, já que as agências federais também são fundamentais para o financiamento em pesquisas.

Mesmo diante dessa situação de desmonte, nossas instituições não deixaram de atuar, realizaram pesquisas e apresentaram soluções. No âmbito das governanças instituições a maioria encontrou estratégias de atuar na agenda ambiental, quer pela ação direta em suas práticas diárias, quer pela criação de políticas internas de inclusão da agenda 2030 e de Gestão Ambiental. Neste sentido podemos citar vários exemplos, como o da Unifesp, que já em 2013, um Departamento de Gestão Ambiental e que trabalhou diversas ações, tais como a redução do consumo de água, até a criação de estratégias para a ação ambiental direta na descontaminação de terrenos de sua propriedade, tal como ocorreu no Campus Diadema e Campus Zona Leste, que tinham contaminações anteriores às suas instalações. O Departamento de Gestão Ambiental faz agora 10 anos. A Unifesp também inovou na criação de cursos de graduação e pós-graduação em Ciências Ambientais que têm formado professores e especialista, além da produção de conhecimento que possibilita a ação sobre a contaminação de águas e solos e a diminuição de doenças provenientes da ocupação inadequada de territórios.

Esse tema foi objeto de diversos debates durante a campanha eleitoral de 2022 e, claramente, venceu a disputa o candidato que se pronunciou assertivamente sobre a Agenda Ambiental e as Mudanças Climáticas. O novo governo do Presidente Lula, trouxe alívio a tais pressões, e vislumbra-se que o Brasil deve demonstrar seu claro compromisso com a conservação da Natureza e respeito aos povos indígenas. Contudo, nos últimos dias o País, especialmente a Câmara dos Deputados, lançou sinais em sentido oposto. O esvaziamento dos ministérios do Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, bem como o avanço de projetos de lei nocivos, como o do marco temporal das terras indígenas (PL 490/2007) e o do Programa de Recuperação Ambiental (MP 1150/2022), indicam que a necropolítica de avanço indiscriminado do capitalismo predatório sobre territórios trará grandes dificuldades para o avanço da agenda de esperança para o Planeta. Temos um grande desafio para reverter tal quadro.

Nesta tarefa, as universidades públicas e os cientistas exercem papel essencial ao gerar e aprofundar o conhecimento, bem como formar profissionais para lidar com questões complexas que caracterizam o campo ambiental. Entre 2012 e 2022, por exemplo, o Brasil ampliou em 250% sua produção [PA1] de artigos científicos na área de Ciências Ambientais, ocupando atualmente o 12o lugar entre os 220 países que publicaram sobre o assunto, de acordo a Scimago Journal & Country Rank. Na América Latina, o país lidera com 49% da produção [PA2] de conhecimento na área. O governo do Presidente Lula poderá contar com a Ciência para apresentar evidências e soluções, além de pressionar o Congresso Nacional, que afinal de contas, deveria se comprometer mais com o desenvolvimento da Nação.

Temos que aproveitar melhor nossa capacidade. Um bom caminho passa por formar decisões baseadas em evidências científicas para construir ações que realmente promovam o bem-estar das pessoas ao mesmo tempo em que conserva a Natureza. Trata-se de algo distante dos encaminhamentos recentes no Congresso Nacional, inclusive chancelados em parte por lideranças do governo. Portanto, na retomada de seu protagonismo global é fundamental o Brasil reforçar seu compromisso ambiental, recuperando a estrutura que lida com esse tema e refutando pautas e projetos de lei desconectadas com a realidade e o futuro do país.

[PA1]Link para fonte

[PA2]Link para fonte

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