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Saúde não se negocia

Entregar o Ministério da Saúde para centrão é reviver necropolítica

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São Paulo (SP)
Uma balança em estilo de colagem com o edifício do Congresso Nacional à direita, mais pesado, e um símbolo da Cruz Vermelha à esquerda, com o prato desse lado da balança sendo segurado por uma mão.
Meyrele Nascimento/SoU_Ciência

Uma das discussões do momento em nosso País diz respeito às tentativas do chamado centrão em obter mais "espaço" em estruturas da administração do governo federal. Em que pese que vários dos partidos e políticos do "Centrão" tenham feito de tudo para que Bolsonaro vencesse as eleições de 2022 e, atualmente, estejam empenhados em atacar as agendas ambientais, indígena e de direitos humanos do governo Lula. Aliança, até o momento, apenas para passar o novo Arcabouço Fiscal. Lira, líder do Centrão, Bolsonarista declarado e presidente do Congresso apontou qual o Ministério que está na sua mira: o da Saúde. E mais ainda, "de porteira fechada", envolvendo todos os cargos.

A sociedade brasileira lê e assiste aos noticiários chocada com a intenção de base bolsonarista (buscando oferecer seus serviços agora ao novo governo) em retomar o Ministério da Saúde depois da condução criminosa da política de saúde durante a pandemia de Covid-19. Nós que somos parte dessa sociedade e das instituições de ensino e pesquisa que defendemos a vida durante a tragédia da pandemia (veja painel do SoU_Ciência sobre a atuação das universidades federais na pandemia), nos perguntamos: quando esse pesadelo terá fim? Quando teremos parlamentares que coloquem os interesses da Saúde Pública, da Ciência e do Direito à Vida em primeiro lugar, ao invés de pensarem apenas nos benefícios dos cargos e das prováveis negociações que podem ser feitas ocupando um Ministério como esse?

Na semana passada, falávamos da Saúde do Planeta, que está sendo ignorada pela maioria do Congresso. Esta semana, estamos falando da Saúde Humana, que agora é moeda de negociação com a base fisiológica. As manifestações são diversas, inúmeros setores e entidades estão declarando que este Ministério não deveria entrar na agenda político partidária e mesmo assim as ameaças continuam. O MS é de Estado, sua política deve ser técnica e baseada em evidências científicas. Entregá-lo para mercadores da política, cujos interesses são outros, em geral escusos ou ainda negacionistas e criminosos, é novamente voltar ao fundo do poço dos últimos anos.

Para nós, das Universidades, Institutos e Hospitais Universitários que vivemos a pandemia da Covid-19, enfrentando-a com coragem e com nossas vidas, fazendo frente ao Ministério da Saúde negacionista e criminoso do governo Bolsonaro, como atestam os documentos da CPI (entre outros relatórios científicos), é inimaginável que agora estejamos vendo e ouvindo alguns parlamentares requererem esse mesmo Ministério depois de tudo o que passamos.

O governo Lula foi eleito e assumiu importantes compromissos sociais e de reconstrução do país com as agendas progressistas da Saúde, da Educação, da Ciência e Tecnologia, dos Povos Indígenas, da Igualdade Racial, das Mulheres e dos Direitos Humanos. Sabemos do seu compromisso com a população que mais necessita do SUS e da proteção do Estado. A escolha da Ministra Nísia Trindade, pesquisadora de alto nível e ex-presidente da Fiocruz, seguiu esse compromisso. É por isso que tantos setores da sociedade e de entidades da saúde hoje defendem veementemente que ela e equipe permaneçam no cargo. Sabemos de todos os seus atributos técnicos, científicos, acadêmicos e políticos – por isso sua liderança é inconteste no campo da saúde e da ciência.

Termos sobrevivido, como sociedade minimamente coesa, à pandemia e ao legado do governo Bolsonaro, o que nos remete ainda mais fortemente à necessidade de que a Saúde e a Ciência não sejam novamente vítimas, como foram as quase 800 mil vidas perdidas. Por isso, não podemos esquecer tudo que sofremos nesse período, o luto de milhões de pessoas, o stress pós-traumático similar ao de uma guerra, e a necessidade de justiça e reparação para todos os crimes da pandemia. O SoU_Ciência está participando de uma rede de grupos de pesquisa e de mídia independente, e em parceria com a AVICO (Associação de Vítimas e Familiares de Vítimas da Covid-19) para garantir justiça, reparação, memória e revisão de condutas da tragédia criminosa que nos assolou.

Na Unifesp, sob a nossa gestão, e mesmo com todos os cortes de recursos e sem nenhum apoio dos ministérios, coordenamos em nível nacional os estudos de fase 3 da vacina de Oxford que permitiram apresentar os resultados em janeiro de 2021 para a Anvisa e subsequente licenciamento de emergência. Nosso Hospital Universitário, o Hospital São Paulo, foi referência nacional no SUS para a atenção e tratamento intensivo. Enquanto isso, a Dra. Nísia Trindade, com a liderança da Fiocruz, realizava um acordo fundamental que permitiu a transferência de tecnologia e também a produção da vacina. Foram momentos de grandes incertezas, mas conseguimos superar. A sua coragem e habilidades como gestora foram fundamentais para que pudéssemos chegar até aqui.

Será que estamos vivendo novamente as ações das Forças Ocultas, desta vez nem tão ocultas. Como escreveu o Professor Emérito da UnB, Isaac Roitman, em seu recente editorial: "O desafio é enorme, mas já foi iniciado. Testemunhamos ações das 'forças ocultas' para a interrupção dessa reconstrução na área da saúde. Vamos todos e todas dizer não e basta, com voz e vontade fortes: 'Vamos destruir os pilares dessas forças ocultas'".

Precisamos continuar nossa caminhada para a reconstrução do que foi destruído, há muito por fazer e não será com situações como essa que iremos avançar. É preciso cuidar da Saúde Pública, da Educação e da Ciência. Ao mesmo tempo, realizar os processos de justiça, memória e reparação das vítimas e seus familiares, dos profissionais de saúde que atuaram na linha de frente e das instituições que precisam ser reerguidas. É preciso caminhar para o que é justo, reafirmar aquilo que não se pode abrir mão e barrar a necropolítica no Brasil. O Ministério da Saúde é do povo brasileiro!

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