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O Brasil precisa de universidades públicas?

As conquistas dos últimos anos são respostas precisas

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São Paulo
Ilustração remete a vários estudantes que estão nas universidades públicas.
Meyrele Nascimento/SoU_Ciência

Discussões anacrônicas, como as promovidas em torno da PEC 206/2019, atualmente na CCJC da Câmara dos Deputados, que "determina que as universidades públicas deverão cobrar mensalidades dos alunos", frequentemente ressuscitam o debate:

O Estado deve investir em educação superior pública ou cabe ao setor privado?

O autor da PEC, um ex-deputado federal que era do PSL/SP em 2019 e que não foi eleito em 2022 justificou sua proposta a partir da seguinte afirmação: "... a maioria dos estudantes dessas universidades acaba sendo oriunda de escolas particulares e poderiam pagar a mensalidade", o que obviamente não corresponde à realidade, e, como diria o Ministro Flávio Dino, "se insere mais ou menos no mesmo continente mental de quem acha que a Terra é plana".

Segundo dados da V Pesquisa Nacional sobre o perfil socioeconômico dos graduandos das IFES, em 2018, mais de 70% dos estudantes tinham renda per capita familiar inferior a 1,5 Salário Mínimo. Sem dúvida esse é um dos salutares reflexos da Lei de Cotas que tem ajudado a democratizar o acesso à educação superior pública. Mas outros argumentos reforçam a importância do Estado na oferta da Educação Superior.

Segundo dados Censo da Educação Superior (Censup), em 2021 o Brasil possuía 8.987.120 matrículas neste nível, 6.908.214 (76,9%) matrículas em instituições privadas e 2.078.906 (23,1%) em públicas. E antes que as vozes do passado se levantem para dizer que temos matrículas em excesso na educação superior, e que a "... Universidade deveria, na verdade, ser para poucos..." como afirmou o então ministro da Educação do governo Bolsonaro, é sempre necessário lembrar que em 2021 o Brasil ainda não havia atingido ¾ da meta prevista no Plano Nacional de Educação (Meta 12). Os dados registravam que no Brasil apenas 21% dos adultos haviam concluído um curso de graduação, ao passo que a média dos países da OCDE é de 41%.

A maior parte das IES brasileiras são privadas, equivalem a 2.261 (87,8%) contra 313 (12,2%) públicas (federais, estaduais ou municipais). Porém, poucas são universidades - que se organizam a partir do tripé ‘ensino-pesquisa-extensão’ - submetidas a uma maior exigência com impacto direto sobre a qualidade do ensino. A maior parte das instituições brasileiras do tipo universidade são públicas. A Figura 01 evidencia esta diferença.

Gráfico sobre as IES públicas e privadas por organização administrativa.
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de dados do Censup/2021 - Censup/SoU_Ciência

Parte expressiva das IES Públicas e se comprometem nos termos apresentados pelo MEC, a investir na "produção intelectual institucionalizada mediante o estudo sistemático dos temas e problemas mais relevantes, tanto do ponto de vista científico e cultural quanto regional e nacional". No caso das IES Privadas, apenas 91 são Universidades (4,02%).

Sobre a qualificação do corpo docente, nas IES privadas, aproximadamente 30% possuem título de doutorado ao passo que nas públicas este índice ultrapassa 70%.

Do ponto de vista da distribuição pelo território nacional, existem instituições em 1.082 municípios (19,4%) dos 5.570 existentes. Isso significa que em 80,6% dos municípios, onde residiam mais de 59 milhões de habitantes, não havia, em 2021, oferta de educação superior pública ou privada. Em 260 municípios eram apenas IES privadas e em 334 apenas públicas. Chama atenção que nos municípios onde havia apenas públicas a quantidade de habitantes era 35,3% menor que nos municípios onde havia apenas oferta por IES privadas.

Esse dado mostra que distribuição das públicas segue a lógica da necessidade dos territórios e de seus arranjos produtivos, ao passo que a lógica das privadas é o retorno financeiro quando da decisão de implementação de novas unidades.

Em relação à relevância nos processos de Pesquisa e Desenvolvimento, segundo dados o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), em 2020, entre os dez maiores depositantes de patentes de invenção, nove foram Universidades Públicas. Por outro lado, o ranking elaborado pelo INPI não apresentou nenhuma IES privada entre os 50 maiores depositantes.

Em relação ao financiamento, o Estado brasileiro financia integralmente as matrículas nas públicas, mas também financia parte das matrículas do setor privado. De acordo com dados do Censup/2021 um total de 2.646.403 matrículas em instituições privadas foram financiadas por mecanismos como o FIES, ProUni e outros tipos de financiamento estudantil.

Este dado é impressionante. O Estado brasileiro financia mais matrículas em IES privadas (2,646 milhões) do que em IES públicas (2,078 milhões). É a força do lobby exercido na formulação da política pública de educação superior no Brasil e evidencia a importância do Estado para a sobrevivência do setor privado: das 6,9 milhões de matrículas ofertadas nas privadas, 38,3% (2,6 milhões) são financiadas com recursos públicos.

Uma das condições essenciais para o desenvolvimento sustentado do Brasil é a presença de instituições públicas de educação superior de qualidade e comprometidas com a sociedade. Elas são as responsáveis pela maior parte da produção científica, tecnológica e cultural do país, além de oferecerem oportunidades de formação e desenvolvimento para milhões de brasileiros, especialmente nas regiões mais carentes. Sem elas, a educação superior ficaria restrita a um segmento de instituições privadas que visam apenas o lucro, que não contribuem para a inovação, que não realizam ações de extensão universitária e que não atendem às demandas sociais e regionais. Muitas dessas instituições privadas não reinvestem os recursos na educação, mas tratam o setor educacional como um negócio, e exploram a educação superior como uma fonte de renda no âmbito privado. Não podemos compactuar com isso!

Com a colaboração de Weber Tavares da Silva Jr.

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