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Descrição de chapéu câncer

A ciência deve agradecer quem doou suas vidas ou seus corpos

Ações que contribuíram para que milhões de pessoas se beneficiassem de tratamentos inéditos e conhecimentos

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São Paulo
Ilustração mostra uma mulher de perfil com flores em torno
Meyrele Nascimento/SoU_Ciência

Em 2021, a Organização Mundial da Saúde (OMS) realizou uma atividade em homenagem a Henrietta Lacks. De fato, muitas pessoas - mesmo entre os cientistas - ignoram o nome ou a vida de Henrietta. Porém, mesmo sem conhecer a história dela, boa parte dos profissionais da área médica ou biomédica sabe (ou já ouviu falar) o que são as células HeLa.

O fato é que a ciência deve muito a Henrietta, uma mulher negra que, em 1951, buscou tratamento no centro médico John Hopkins, um dos maiores dos EUA, para tentar se salvar de um câncer cervical. À época, eram poucos os lugares que realizavam o tratamento de mulheres negras e, além disso, havia grande desconhecimento sobre os efeitos agressivos de um tipo de tumor que, em pouco tempo, levou a vida de Henrietta (aos 31 anos de idade). Durante o tratamento e sem o seu conhecimento, pois não existiam regras como as que temos hoje, células do tumor foram retiradas para biópsia e levadas ao laboratório. Elas mostraram uma característica nunca antes vista: a capacidade de se reproduzir indefinidamente quando cultivadas de maneira adequada – sendo, por isso, chamadas de células imortalizadas. Somente muitos anos depois a família de Henrietta tomou conhecimento sobre a existência dessas amostras e dos inúmeros de estudos que haviam gerado - e que ainda continuam a ser realizados - a partir da análise ou da utilização das células HeLa.

Hoje, sabemos que os estudos com esse tipo de célula permitiram um conhecimento maior sobre o câncer cervical, bem como sobre as formas de combatê-lo. Em especial, permitiu o desenvolvimento da vacina contra o vírus HPV, principal causa deste câncer. Atualmente, o mundo, inclusive organizações brasileiras, como o Instituto Vencer o Câncer e o Grupo Mulheres do Brasil, junto com o Ministério da Saúde, vêm desenvolvendo campanhas de vacinas, pois a vacina está disponível no SUS e pode para combater este tipo de tumor, que acomete meninas, adolescentes e mulheres e que pode ser plenamente prevenido. Além do desenvolvimento da vacina e da imunização, a utilização das células imortalizadas e cultivadas em laboratório permitiu o estudo da poliomielite, do desenvolvimento de medicamentos contra o HIV, bem como o aprofundamento do conhecimento sobre inúmeras doenças, tais como a leucemia e o mal de Parkinson. Mais ainda, as HeLa têm sido utilizadas como modelo para o estudo de uma variedade de outras moléstias.

Por isso, é fundamental que a ciência e os cientistas reconheçam a importância daqueles que permitiram, com suas vidas ou seus corpos, a busca de novos conhecimentos - e que contribuíram para que milhões de pessoas se beneficiassem de inéditos tratamentos e conhecimentos. Se, no passado, isso ocorreu de maneira involuntária, atualmente, há muito rigor nas doações e nos estudos com humanos, que só podem ser feitos com o consentimento expresso e autorizado, submissão a comitês de ética e de leis cumpridas de maneira rigorosa.

Felizmente, contamos com inúmeros voluntários em diversas pesquisas na busca de novos tratamentos, com ou sem medicamentos, além de novas técnicas. Também temos medicamentos antigos, fartamente estudados, utilizados no tratamento de novas doenças - o que se convencionou chamar de reposicionamento de fármacos. E existem as pessoas que doam voluntariamente seus corpos para o futuro.

Atualmente, as identidades desse grande número pessoas que contribuem de maneira voluntária para as pesquisas devem ser mantidas sob sigilo, pois há leis que exigem a "anonimização" dos dados. Isso é importante, pois as identidades são mantidas protegidas de influências, de interesses escusos ou de discriminação. Para a realização de pesquisas com seres humanos é preciso ter, além da autorização, todos os protocolos de segurança demonstrados. Não é permitido realizar testes sem comprovações anteriores e há sistemas de controle e de proteção. E, mesmo depois de finalizados os estudos e comprovada a eficácia e segurança de um tratamento ou método, a observação ainda continua por muito tempo. Temos hoje importantes avanços e muitos sistemas de segurança para proteger a vida dos pacientes e, também, a dos voluntários.

A história de Henrietta se transformou em livro (A Vida Imortal de Henrietta Lacks, de Rebecca Skloot) e também em filme. Mesmo assim, quantos estudantes passaram pelo laboratório sem conhecer a história e a vida dela? Mesmo os filhos dela somente conheceram a sua contribuição muitos anos depois de sua morte. Há, certamente, muitas outras vidas anônimas que atuaram em prol da ciência sem saber.

A todos e todas, fica o nosso reconhecimento. A todos eles, os de antes e os de agora, só podemos agradecer. Afinal, a ciência não teria realizado (e não continuaria realizando) seus grandes avanços sem a contribuição dessas pessoas.

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